Enquanto garante que não vai recuar, o governo do Distrito Federal segue com o esforço de dar “explicações técnicas” à população sobre o aumento das passagens de ônibus, que subiram para até R$ 5 na virada do ano. O problema é que as explicações, embora formalmente corretas, são apenas metade da história. Ou seja, na prática, não explicam nada.
Para começar pelo começo: a base da remuneração das empresas de ônibus não é a tarifa cobrada dos passageiros. A principal referência é a “tarifa técnica”, valor unitário que seria suficiente para cobrir todas as despesas das empresas, mais o lucro.
Se a passagem custa R$ 4, a tarifa técnica é de, digamos, R$ 6. Isso significa que, além de cobrar os R$ 4 do passageiro, as empresas recebem outros R$ 2 do GDF em forma de subsídio. Também recebem os R$ 6 integrais pelos passageiros que viajam “de graça” (estudantes, idosos e pessoas com deficiência).
É nesse aspecto que o GDF centra suas explicações. Os subsídios pagos pelo governo são pesados e acabam nas costas de toda a população. Ou, em linguagem mais direta, “não existe almoço grátis”.
Mas há um problema anterior. Nem maior, nem pior, necessariamente, mas, até por lógica, anterior: ninguém sabe exatamente quais são os custos das empresas de ônibus.Leia também
Esse dado, elemento essencial numa licitação de serviço de transporte, e portanto de inegável interesse público, é inalcançável. Na prática, é mantido em sigilo, em flagrante desrespeito à Constituição e a inúmeros pedidos feitos por cidadãos e entidades com base na Lei de Acesso à Informação.
O próprio Conselho de Transparência e Controle Social do DF (CTCS), órgão formado por representantes da sociedade civil por decisão do próprio governador Rodrigo Rollemberg, tenta há um ano e meio – sem sucesso – obter dos órgãos competentes as planilhas de custos das empresas de ônibus.
Quando o GDF diz que toda a população paga as gratuidades, ou mesmo a diferença entre a passagem na roleta e a “tarifa técnica”, não está mentindo. Por outro lado, quando não permite que ninguém tome conhecimento de quanto as empresas de ônibus afirmam gastar com veículos, manutenção, empregados e combustível, entre outros, está mentindo por omissão.
Parece bastante óbvio que seria muito interessante a qualquer administrador público dispor de milhares de fiscais trabalhando de graça para verificar se um prestador de serviço está cobrando um valor adequado. Com os dados abertos, qualquer pessoa poderia, por exemplo, comparar o preço alegado pelas empresas para uma peça de reposição e os valores praticados no mercado.
Curiosamente, o GDF, ao negar sistematicamente acesso às planilhas de custo, abre mão da colaboração desses fiscais. Em vez disso, prefere acreditar cegamente no que as empresas dizem que gastam para justificar os preços cobrados – seja diretamente do passageiro na roleta, seja do governo em forma de subsídio.
Quem deve pagar pela passagem de quem usa ônibus – se cada passageiro ou a sociedade como um todo (inclusive as pessoas que não usam ônibus) – é uma decisão política da própria sociedade. Já saber em detalhe o que está sendo pago é um direito (constitucional!) do cidadão. E informar os dados é, ou deveria ser, um dever do administrador público.
Mais estranho é que isso ocorra justamente num governo que tenta se apresentar, desde seu início, como diferente pela excelência na gestão e pelo compromisso com a transparência.
Como se faz gestão excelente de qualquer política pública sem conhecer a fundo seu custo? Como se garante transparência sem dar ao cidadão os meios para exercer seu legítimo papel de fiscal do uso de recursos públicos?
Em vez de bradar que não vai recuar, melhor seria se o governo aproveitasse a oportunidade para avançar, cumprindo a lei com a abertura dos dados. Da mesma forma, a Câmara Legislativa poderia trocar as ameaças, com finalidades diversas, pela defesa desse ponto primordial.
Há várias questões a serem discutidas e esclarecidas em relação ao transporte por ônibus na capital do país. Especialistas cobram, por exemplo, a mudança da remuneração das empresas “por passageiro” para “por quilômetro rodado”. As gratuidades, como outros elementos sujeitos a fraudes e desvios de finalidade, podem e devem passar por auditoria.
Poucas questões, porém, terão resposta satisfatória enquanto se mantiver – não se sabe por que razão – a caixa preta dos custos das empresas.
O segredo em torno das planilhas de custos não reduz o drama orçamentário do Estado, muito menos ameniza o drama cotidiano de quem precisa do ônibus. Todos sabemos que a conta do transporte público é muito alta. O que precisamos saber, antes de decidir quem paga, é quanto de fato ele custa.
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