O apagão na base de dados no Ministério da Saúde já dura mais de um mês, sem uma solução definitiva por parte da pasta. A falha no sistema foi fruto de um ataque hacker, sofrido no início do mês de dezembro – às vésperas do prazo definido para o Ministério decidir sobre a exigência do passaporte vacinal contra covid-19 a viajantes que chegam ao Brasil. Para especialistas e deputados, a queda e instabilidade no sistema interessam à vontade do governo.
Segundo o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez, a falta de uma base de dados oficial confiável compromete a capacidade de persuasão de profissionais de saúde ao debater com agentes políticos em comitês. “Com os dados, conseguimos convencer, negociar, e reivindicar o que deve ser feito para enfrentar a pandemia. Quando não se tem isso, vamos pela nossa experiência, mas ficamos em uma situação fragilizada”, explicou.
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Essa fragilidade se torna interessante para Jair Bolsonaro, de onde o infectologista percebe um constante “esforço de minimizar, banalizar e negar a pandemia como um problema”, normalizando a postura de inércia ao tomar decisões que possam comprometer seus interesses políticos. “Se você não tem dados, você consegue fazer a pandemia parecer menor do que ela realmente é”, alertou.
O deputado Aliel Machado (PSB-PR), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, também estranhou a coincidência entre o impacto do apagão e os interesses do governo. “Na minha opinião, isso foi um ataque estimulado pelo presidente da República no momento em que ele faz ataques à ciência, à saúde e à vacina. (…) O posicionamento político de Bolsonaro estimulou isso”, declarou ao Congresso em Foco.
A falta de interesse do Ministério da Saúde em oferecer dados relativos à pandemia já era percebido pelo deputado mesmo antes do apagão. “Não é de agora que me preocupo com a divulgação de dados por parte da pasta. (…) Em outras oportunidades antes do ataque hacker, o ministério já estava criando dificuldades”, relatou.
Quatro outros deputados do PT chegaram a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira (12), por conta da inércia do governo em dar um ponto final ao apagão. “O Ministério da Saúde não consegue há várias semanas apresentar dados estatísticos confiáveis acerca da realidade sanitária atual, dificultando ou mesmo inviabilizando que a sociedade brasileira saiba qual é a real situação epidemiológica no País”, alegaram os deputados Reginaldo Lopes (PT-MG), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Alexandre Padilha (PT-SP) e Bohn Gass (PT-RS) em uma ação em que denunciaram o ministro Marcelo Queiroga por prevaricação.
Impacto na saúde pública
David Urbaez explica que o acesso à base de dados é um dos principais instrumentos de trabalho dos profissionais responsáveis pela gestão da pandemia. “Sem os dados, você não consegue diagnosticar a situação epidemiológica. (…) Você não sabe quais recursos deve realocar, onde deve haver intensificação das ações, onde há maior necessidade de abertura de leitos”.
Aliel Machado complementa a linha de raciocínio do infectologista. “É impossível dentro do Estado federativo, com a responsabilidade dos municípios, dos estados e do próprio governo federal, ter qualquer estratégia de enfrentamento, de investimento em relação à saúde se nós não tivermos os dados corretos, se os municípios e estados não puderem alimentar o sistema, se os dados não forem confiáveis”, ressaltou.
Já Marcelo Queiroga não considera grave a situação enfrentada hoje pelo Ministério da Saúde. “Uma coisa é uma ação de criminosos que dificultaram os sistemas de informática do Ministério da Saúde, outra é dizer que o ministério vive um apagão de dados”, afirmou em conversa com a imprensa nesta quarta-feira (12). A expectativa é que os sistemas voltem a operar completamente apenas nesta sexta-feira (14)
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