Além do forte interesse econômico pela anexação do leste da Ucrânia, a postura agressiva do presidente russo Vladimir Putin com relação aos seus vizinhos conta também com o interesse ideológico de seu mais influente apoiador: o intelectual da extrema-direita Alexandr Dugin. Nascido e criado na União Soviética, o ideólogo tradicionalista é considerado hoje a bússola da política externa de seu país.
Dugin iniciou sua carreira política como militante anti-comunista durante os últimos anos do regime soviético. Com o fim do regime, passou a trabalhar na Duma (órgão russo equivalente à Câmara dos Deputados), assessorando seu presidente Gennadiy Seleznyov no final da década de 1990. “A partir de Seleznyov, ele conseguiu um destaque político muito grande como responsável por atuar nos bastidores. Não demorou muito para ele se tornar o braço ideológico de Vladimir Putin”, conta o historiador Daniel Pradera.
Para assessorar Putin, Dugin se inspira em sua ideia de “quarta teoria política”: a ideia de que a democracia liberal (considerada por ele como a “primeira teoria”) seria uma ferramenta de dominação estadunidense. E para enfrentá-la, seria necessário conciliar a segunda e terceira teoria (socialismo e fascismo), fundando assim um novo modelo de fascismo adaptado ao século XXI.
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O ideólogo russo também defende a ideia de que há um eterno conflito entre as nações que exercem domínio pelo mar, representadas na figura dos Estados Unidos, e as que exercem domínio pela terra, representadas na figura da Federação Russa. “Para ele, essas duas potências não são capazes de coexistir”, explica Pradera.
Relações com Olavo de Carvalho
PublicidadeDaniel Pradera explica que o papel exercido por Alexandr Dugin como ideólogo da gestão de Vladimir Putin pouco difere do papel exercido por Olavo de Carvalho como ideólogo do governo de Jair Bolsonaro. O russo, porém, atua de forma muito mais intensa do que seu falecido equivalente. “Enquanto Olavo se mostrava como alguém que ia contra a política, Dugin é a própria política”, declarou.
Os dois ideólogos chegaram a se conhecer, e escreveram juntos o livro “Os Estados Unidos e A Nova Ordem Mundial”. O historiador conta que, ao mesmo tempo que defendem países com esferas opostas, os dois lançam as mesmas acusações contra os mesmos inimigos internos: Olavo de Carvalho cria teorias de conspiração baseadas em um suposto conchavo pós-soviético, a qual atribui o nome de “globalistas”. Dugin já afirma que o mundo é dominado por atlantistas: os líderes mundiais aliados dos Estados Unidos.
Pradera dá como exemplo de similaridade a visão dos dois sobre o ambiente acadêmico: Olavo de Carvalho dizia que, com o fim do regime militar de 1964, as universidades brasileiras teriam sido infiltradas por agentes comunistas, tentando impor sua visão aos alunos. No outro lado do oceano, Dugin acusa agentes capitalistas de se infiltrar nas universidades russas, tentando impôr o liberalismo americano no ambiente acadêmico russo.
Os dois se assemelham também na busca por uma fundamentação mística em seus discursos: Olavo de Carvalho recorria à doutrina católica para justificar suas posições, enquanto Dugin segue o mesmo caminho, buscando no cristianismo ortodoxo as explicações teológicas de sua doutrina.
A atuação de Dugin, porém, se dá de forma muito mais intensa na política russa do que como Olavo agiu na política brasileira. “Olavo de Carvalho nunca chegou a se engajar politicamente, nunca se envolveu diretamente em assuntos do governo. Sua influência sempre se deu à distância. Já Dugin está sempre no Kremlin. Ele está ativamente na política desde a década de 90. Sua relação com Putin se assemelha com a relação entre o tsar Nicolau II e o monge Rasputin”, comparou o historiador.
Dugin não apenas é mais ativo, como mais agressivo em sua doutrina do que Olavo de Carvalho. “Enquanto Olavo se limitava a reclamar de seus rivais dentro das instituições, Dugin ativamente defende um expurgo completo, no sentido de tirar a cidadania russa dessas pessoas e expulsá-las do território russo”, apontou.
A mente do expansionismo
Em julho de 2014, Dugin afirmou à BBC ter sido um dos ideólogos por trás da anexação russa da Crimeia, até então pertencente à Ucrânia. A ideia na verdade havia surgido ainda em 2008, durante a invasão russa à Geórgia. Para Dugin, a Crimeia era uma região historicamente pertencente à Rússia, e os levantes separatistas se tratavam do que ele chamava de “primavera russa”.
O expansionismo foi a ferramenta vista por Dugin como a mais eficaz para a manutenção do poder de Vladimir Putin. Antes da invasão da Crimeia, a popularidade interna de Putin estava estagnada ao redor de 60%. Com a invasão, subiu para 86%, marca atribuída por Dugin como consequência do fortalecimento de um patriotismo russo.
Logo após a invasão da Crimeia, Dugin defendeu que Putin interviesse diretamente na Ucrânia, em favor dos separatistas em Lugansk e Donetsk, alimentando sua “primavera russa”. O presidente se mostrou receoso, temendo a repercussão de uma agressão direta ao país vizinho. Dugin culpou supostos liberais pró-Estados Unidos pelo receio de Putin. Oito anos depois, o receio acabou, e a Rússia iniciou seu ataque contra a Ucrânia.
Em suas redes sociais, Dugin replicou o discurso de Putin sobre as causas da agressão ao vizinho. “A operação militar é dirigida contra o atlantismo e o globalismo, contra o mundo unipolar. Esta é uma operação preventiva – oportuna e lógica. (…) A Rússia se rebelou contra tal ordem mundial. E a Ucrânia, seduzida pelo nazismo liberal, infelizmente, acreditou nele e sucumbiu à provocação. Ela agora está pagando caro por isso”, declarou em seu perfil no VK, maior rede social russa.
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