Renata Camargo
Coordenador-geral do processo de regularização fundiária de terras ocupadas na Amazônia Legal, o economista Carlos Guedes tem a grande responsabilidade de garantir que terras públicas da União não sejam regularizadas nas mãos de grandes grupos econômicos e grileiros. Para cumprir a missão, Guedes – que está à frente do programa Terra Legal, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – conta com a Rede de Inteligência Fundiária e com denúncias anônimas da população via internet.
O governo se propõe a regularizar até 300 mil posses em 67,4 milhões de hectares na Amazônia. Para realizar esse gigantesco trabalho, Guedes conta com 150 servidores cedidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de equipes auxiliares da Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal e da inteligência das Forças Armadas.
A regularização de terras da Amazônia teve origem na MP 458, aprovada pelo Congresso e sancionada, com vetos, pelo presidente Lula. “Nosso grande desafio é conseguir de fato uma política de regularização fundiária como um instrumento de combate a grilagem, de diminuição de conflitos sociais, de ordenamento territorial e também de auxílio ao combate ao desmatamento”, considerou Guedes. “Estamos estimulando a sociedade civil no sentido de ter mecanismos de controle social e transparência em todo esse procedimento da regularização. Estamos apostando muito nisso”, disse.
Economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Guedes é funcionário concursado do Incra e ex-diretor do Instituto no estado do Pará. Em seu currículo, o coordenador do Terra Legal traz ainda experiência como ex-secretário de planejamento do governo do Pará, ex-delegado nacional do MDA no Pará e ex-coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD).
A seguir, os principas trechos da entrevista:
Congresso em Foco – Em quanto tempo o governo pretende concluir a regularização das terras da Amazônia?
Carlos Guedes -O tempo previsto na Lei 11.952 é de cinco anos. Nós montamos uma programação preliminar que vislumbra executar boa parte do trabalho em três anos, obedecendo à própria lógica do PPA [Plano Plurianual]. O nosso planejamento está demarcado para 2011, onde teríamos o ano de 2012 para execução e 2013 para avaliação dos trabalhos.
Quantas posses o Estado pretende regularizar?
O Incra tem um cadastro, chamado Sistema Nacional de Cadastro Rural, que nos apontava que temos na Amazônia em torno de 160 mil posses cadastradas. Na nossa avaliação, esse é um dado relativamente subestimado. A realidade pode compor um quadro muito mais complexo do que esse. Então, nós preparamos uma estrutura de trabalho no governo para recepcionar até 300 mil posses nas terras da União dentro da Amazônia. Sabemos que são 67,4 milhões de hectares de áreas passíveis de regularização. Cerca de 13% da Amazônia Legal de terras da União são áreas arrecadadas [áreas que foram ocupadas], mas que não foram destinadas a particulares, assentamentos ou unidades de conservação.
Quais as características dessas áreas?
Várias delas estão localizadas em áreas já com presença do homem, ou seja, áreas antropizadas. São beiras de estrada, locais que já se transformaram em municípios. Nós temos algumas áreas, mas não muitas, que ainda não estão ocupadas pelo homem. Agora com esse trabalho que a gente vai desenvolver é que vamos nos assenhorear definitivamente sobre quem está ocupando esse território e quem pode ser beneficiado pela Lei 11.952.
Quantos municípios vão ter esse processo?
O universo do programa são 436 municípios. Nós temos a expectativa de trabalhar este ano em torno de 84 municípios. Nós fizemos nesse mês de junho, basicamente, um projeto piloto com os nove municípios do programa Arco Verde, do Ministério do Meio Ambiente.
Por que iniciar os trabalhos junto com o programa Arco Verde?
Nós avaliamos que a melhor forma de começar esse processo de regularização fundiária era diretamente conectado com ser um instrumento de auxílio ao combate ao desmatamento ilegal. Uma das questões centrais para diminuir o desmatamento ilegal é a regularização fundiária. Então nós optamos em iniciar o processo da regularização pelos municípios que o Ministério do Meio Ambiente identificou com os que mais desmataram. Em cima disso, nós montamos um mutirão não só do Terra Legal com o Arco Verde, mas com outros programas e iniciativas que nos permitiu fazer uma integração de políticas públicas e mostrar que a regularização fundiária é sim uma porta de entrada para a cidadania.
Como está estruturada a equipe do programa Terra Legal?
Nós criamos dentro do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) uma estrutura que pode se caracterizar como uma grande força tarefa montada para o processo de regularização fundiária da Amazônia. A coordenação é do MDA e a equipe é constituída, em 90% de sua força de trabalho, de servidores do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Temos em torno de 150 servidores do Incra cedidos e devemos chegar a uma meta de 400 servidores. O Incra tem um universo de aproximadamente quatro mil servidores em todo o país. É um peso grande que está sendo deslocado para o processo de regularização fundiária.
Passo a passo, como será esse processo de regularização?
Trabalhamos com três passos da regularização. O primeiro deles é o cadastramento. Vamos a todos os locais fazer um chamamento a quem é ocupante dessas áreas e que pode ser beneficiado pela legislação. A idéia é que eles se apresentem e façam o cadastramento. Estamos em andamento com essa etapa. O segundo passo é o georreferenciamento. Nós entramos nas áreas com equipes contratadas e fazemos a medição da área que quer ser regularizada. Essa medição vai nos dar a informação de que aquilo que o cidadão declarou tem aquele limite territorial. O terceiro passo é a regularização em si.
Como se dará a etapa da regularização?
Para áreas até quatro módulos fiscais, a vistoria é facultada, o que sempre foi um ponto de debate. Pré-determinamos com nossa equipe que faremos vistoria se identificarmos três situações: área objeto de conflito agrário, área de ocupação recente e área com desmatamento recente. Também faremos vistoria se tivermos baixo cadastramento na região. No caso onde teve um bom cadastramento, a situação é pacificada, são ocupações antigas e não há necessidade de vistoria, a gente encaminha os documentos do imóvel para análise e encaminha para a regularização. Nos imóveis de quatro a 15 módulos, necessariamente, nós faremos a vistoria. Nós mantivemos a obrigatoriedade porque precisamos fazer também uma avaliação para aferir se nesses imóveis está se cumprindo a função social da terra.
O que será feito com quem não se apresentar para o cadastro?
Nós vamos gleba a gleba resolvendo todos os casos que a legislação nos permite, ou seja, até 15 módulos fiscais. Vamos analisar gleba a gleba o que sobrou e tomar atitude de retomada de terra pública, de destinação para unidade de conversação, para o programa de reforma agrária, para a compensação ambiental, qualquer que seja. Nosso grande desafio é conseguir de fato uma política de regularização fundiária como um instrumento de combate a grilagem, de diminuição de conflitos sociais, de ordenamento territorial e também de auxílio ao combate ao desmatamento.
Que conflitos a equipe do Terra Legal espera encontrar na região?
Temos dois tipos de situações
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