Luís Kimaid*
O ecossistema de inovação em governo, conhecido como GovTech, está promovendo o rompimento de paradigmas de um governo analógico, frente à uma sociedade digital. Empreendedores públicos e privados fomentam repensar as relações entre o cidadão e governo em termos de eficiência na entrega de serviços públicos e de processos burocráticos, assim como na qualidade da produção legislativa e fiscalização das políticas públicas do Poder Executivo.
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Neste cenário, o Poder Legislativo tem um papel fundamental na constituição de uma interação inovadora de seus processos e na relação com o cidadão. O campo de Inovação no Poder Legislativo destoa da atuação do ecossistema de GovTech, sendo necessário desenvolver uma nova nomenclatura e uma ressignificação do que entende-se como atuação deste ecossistema de LegisTech.
O Poder Executivo é o responsável pela implementação de políticas públicas que atendam as necessidades mais básicas de uma sociedade, porém necessita de processos claros, eficientes e que não oneram o cidadão em perda de tempo desnecessariamente. Os métodos e processos são os mais diversos, podendo contar com uso intensivo de tecnologia, ou com mudanças culturais em processos burocráticos.
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Na necessidade de implementar tecnologias que auxiliem a inteligência de processos, pensamos no termo GovTech, ou ecossistema de tecnologia e inovação para governos. O termo é amplamente usado em países onde a relação entre o ecossistema de empreendedores e o Poder Executivo atingiu um alto nível de maturidade regulatória na contratação de startups e das suas soluções para os desafios da administração pública. A terminologia ainda não contempla uma relação vital para a democracia e o funcionamento das instituições democráticas, o Poder Legislativo.
O Estado contemporâneo tem uma constituição baseada na partição em três poderes independentes e harmônicos, onde a construção da regra é responsabilidade do Legislativo, a implementação das regras fica a cargo do Poder Executivo, e a adjudicação da regra fica a cargo do Poder Judiciário.
O Poder Legislativo tem processos próprios de construção de consensos, de elaboração de conteúdo em suas deliberações e de fiscalização do Poder Executivo. Os desafios de gestão desses processos informacionais também tendem a se diferenciar do que o ecossistema de GovTech costuma atender em demandas do Poder Executivo, na execução de políticas públicas de atendimento ao cidadão.
O nascente ecossistema de LegisTech é composto por iniciativas, empreendedores privados e públicos que atendem às demandas do Legislativo representado pelas Casas Legislativas – representadas no Brasil pelas Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais, Câmara Distrital e Congresso Nacional – e pelos seus parlamentares.
As LegisTech podem auxiliar na melhoria da qualidade da produção legislativa. Fomenta-se ferramentas que auxiliam em processos para que as proposições legislativas – tais como Propostas de Emenda à Constituição, Projetos de Lei Complementar, Projetos de Lei Ordinária e Projetos de Decreto Legislativo – tenham mais robustez técnica, através do escrutínio público e menor redundância à legislação já existente, usando ciência de dados e aprendizado de máquina neste monitoramento; assim como ferramentas que permitem os mandatos e as comissões fiscalizarem os órgãos do Poder Executivo na execução de políticas públicas e no gasto de recursos; e soluções para que blocos partidários e partidos melhor gerenciarem suas redes de parlamentares em discursos, proposições e votações, na busca por uma melhor articulação dos atores políticos e na coerência partidária.
O impacto das LegisTech não restringe-se a atores de dentro do Poder Legislativo, já que há o potencial de ampla melhoria na eficiência na relação com outros poderes da República, assim como outras esferas, como por exemplo o relacionamento entre as prefeituras e membros do legislativo estadual e federal em torno dos recursos das emendas parlamentares e da articulação de outras pautas legislativas.
Um caso importante e pioneiro é o LabHacker da Câmara dos Deputados, um ator com o objetivo de articular um espaço de discussão e implementação de processos de inovação no legislativo, conectando parlamentares, servidores públicos, sociedade civil e empreendedores. O LabHacker funciona como um Hub de conhecimento sobre as particularidades de como pensar um Poder Legislativo mais conectado com novas ferramentas e novas formas de pensar o nosso desafio. O objetivo é contribuir para uma cultura da transparência e de participação por meio da gestão de dados públicos.
O exemplo da Bússola corrobora a necessidade de fomentar empreendedores que atendam as demandas que auxiliem o Poder Legislativo em seus desafios. A organização nasceu com o objetivo de encurtar ainda mais a distância entre o cidadão e as instituições representativas, através de um voto mais consciente. O fortalecimento da conexão do eleitor com as instituições através da eleição é uma fase essencial, porém também é necessário entender os desafios cotidianos das casas legislativas, cuja experiência somada a de empreendedores privados e públicos podem apoiar.
A Bússola apoia as casas legislativas em sua aproximação dos cidadãos, através de uma plataforma que promove a transparência e maior racionalização dos dados legislativos, a Bússola Parlamento, que será lançada no próximo mês, também atua na construção de uma agenda de formação educacional voltada para inovação.
O ecossistema de LegisTech, assim como GovTech, enfrenta desafios quanto ao modelo de negócio e sustentabilidade ao oferecer suas soluções para o poder público, uma vez que as regras que norteiam essa relação ainda geram dúvidas tanto para os empreendedores privados, quanto para os servidores. Assim como nos outros poderes da esfera pública, há pouco espaço para os empreendedores em um momento crucial no processo de inovação, a capacidade de testar e de errar em projetos menores, sem a necessidade da implementação em larga escala.
As LegisTech tem uma peculiaridade: o relacionamento pulverizado com o Legislativo, através de mandatos e lideranças partidárias, em contraposição e complementaridade a um relacionamento com a casa legislativa. Os empreendedores e iniciativas podem ser contratados na implementação de serviços pontuais e sem a necessidade de passar pelo crivo rigoroso que vigora na administração pública. A vantagem relativa em poder testar metodologias e soluções dentro da esfera pública, sem a necessidade de implementação em escala, oferece aos empreendedores e ao Poder Público a oportunidade de construção de um espaço para errar, algo essencial para um ambiente disruptivo.
O Poder Legislativo ao redor do Mundo, como premissa, é responsável pela representação plural, a partir da descentralização dos canais de interlocução com os grupos da sociedade. A descentralização e a necessidade de construção de consensos são a essência das casas legislativas, o que as torna um espaço fundamental no universo de inovação pública. Os empreendedores públicos e privados têm no Legislativo, através dos mandatos e partidos, a oportunidade de revolucionar o que enxergamos como inovação pública. Isso pode acontecer em decorrência de algo que é natural para as casas legislativas, ter um espaço onde possam propor novas ideias e objetivos que chegam à fronteira do desenvolvimento de projetos e da tecnologia, mesmo que com alto risco de falhas. Com isso, o Legislativo naturalmente detém o protagonismo do debate e da implementação da inovação pública, através do ecossistema de LegisTech.
*Luís Kimaid é cientista político, Co-fundador e Diretor da Bússola Eleitoral
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