Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli suspendeu decisão da 7.ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro que proibiu o prefeito Marcelo Crivella (PRB) de usar a máquina pública em benefício próprio ou de seu grupo religioso, a Igreja Universal do Reino de Deus – ele é sobrinho do bispo Edir Macedo, fundador da IURD, e também bispo licenciado.
Em julho, o juiz Rafael Cavalcanti Cruz atendeu pedido do Ministério Público e determinou a proibição. A ação civil pública contra Crivella o acusou de promover encontro de líderes religiosos (leia mais abaixo) na sede da Prefeitura, o Palácio da Cidade, com o objetivo de oferecer cirurgias de catarata e varizes para fiéis da Universal, além de auxílio a pastores com pendências de IPTU em seus respectivos templos.
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O prefeito poderia ser afastado do cargo caso descumprisse a decisão judicial, e o Município do Rio de Janeiro recorreu ao STF. Crivella chegou a enfrentar ameaça de processo de impeachment na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro por duas vezes, em julho e setembro, mas sua base de sustentação se mobilizou e conseguiu barrar ambos os pedidos.
Na liminar, Toffoli explica que o pedido do Município do Rio de Janeiro contra a proibição exibe “plausibilidade jurídica”, uma vez que estaria configurada “existência de grave lesão à ordem pública” em decorrência da decisão de primeira grau. A alegação é que o pleno exercício das funções típicas de prefeito foi coibido ao ponto de impedir Crivella de realizar agenda institucional, tornando o chefe do Legislativo e a própria Administração Municipal “verdadeiros reféns” de eventuais ilícitos de agentes internos ou externos.
“A elaboração da agenda política do chefe do Poder Executivo é o conteúdo mínimo do exercício dos seus direitos políticos de mandatário do cargo de Prefeito da Cidade, e a pretensão de controle jurisdicional sobre seu teor reflete grave violação à ordem jurídica. A pretensão de limitar o exercício de seus direitos políticos, impedindo-o de se encontrar ou reunir com quem quer que seja, afeta toda a ordem administrativa municipal. Impedi-lo de constituir livremente sua agenda e de encontrar-se com membros de quaisquer religiões, inclusive a que professa, também representa verdadeiro e indesejável mecanismo de censura e discriminação”, diz o município no recursos, criticando a generalidade e a ampla abrangência da decisão judicial.
PublicidadeMesmo diante das evidências reunidas em vídeos e documentos, Toffoli entendeu não ser possível afirmar que Crivella favoreceu ou manteve relação de aliança ou dependência com grupos religiosos de maneira a extrapolar limites constitucionais. O artigo 19, inciso I, da Constituição proíbe União, estados e municípios de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
“Assim, inexistindo potencial violação constitucional, o ato de impedir que o chefe do Poder Executivo estabeleça diálogo institucional com quaisquer confissões religiosas revela ingerência desproporcional na execução das suas funções executivas”, escreveu o presidente do STF em seu despacho, com a ressalva de que não examinou a juridicidade da decisão suspensa de forma a invalidá-la ou reformá-la, mas apenas suspendendo seus efeitos.
Crivella estava proibido de realizar as seguintes atividades: eventos em benefício da IURD; realização de censo religioso na administração pública, ou mesmo entre beneficiários de seus serviços; concessão de patrimônio ou qualquer tipo de incentivo a grupos religiosos; uso de estruturas e espaços públicos como palco de doutrinação religiosa ou aconselhamento espiritual; formulação de agenda religiosa para a sociedade fluminense.
“Chama a Márcia”
O episódio remete ao evento intitulado “Café da Comunhão”, em que o prefeito evangélico ofereceu a pastores, em pleno ano eleitoral, cirurgias de catarata e ajuda em IPTU. Na ocasião, Crivella faz menção a Márcia da Rosa Pereira Nunes, há 15 anos auxiliar do também bispo da Igreja Universal e lotada no Senado até 2016, quando passou a servir no gabinete de Crivella no Rio.
O evento não constava da agenda oficial do prefeito e foi combinado por WhatsApp, em mensagem à qual o jornal O Globo teve acesso. Segundo a reportagem, os organizadores pediram aos presentes que levassem “reivindicações por escrito, relações de suas igrejas e número de membros”. Crivella discursou por mais de uma hora na presença de um pré-candidato a deputado federal pelo PRB.
O caso ganhou o noticiário e as redes sociais, revoltando a opinião pública. Internautas resolveram ironizar a orientação do prefeito e criaram no Facebook um evento intitulado “Vamos falar com a Márcia?”. Era um convite virtual para o ato realizado em 11 de julho em frente à sede da prefeitura, com o objetivo de protestar contra a gestão de Crivella e exigir assistência do estado.
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