A decisão anunciada previamente pelo presidente Jair Bolsonaro de vetar a possibilidade de aumento salarial para servidores públicos obrigou o governo a fazer uma engenharia para evitar contestações na Justiça sobre a reestruturação de cargos de chefia da Polícia Federal. Dois foram os movimentos feitos. No primeiro deles, o presidente Jair Bolsonaro segurou a sanção da lei de auxílio financeiro aos estados e municípios para que a medida provisória (MP 918/2020) que tratava do assunto pudesse ser aprovada e convertida em lei, o que ocorreu nessa terça-feira (26). A lei do auxílio aos estados só foi sancionada ontem à noite pelo presidente.
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O segundo passo foi dado pelo Ministério da Justiça, que publicou mais de 90 portarias em edição extra do Diário Oficial da União, com a relação de todos os policiais federais designados para cargos de chefia. Entre eles, seis novos superintendentes regionais. À exceção de Tácio Muzzi, que assumiu no Rio de Janeiro, os outros cinco estavam subordinados diretamente aos antigos titulares.
A publicação da extensa lista provocou especulações sobre uma possível intervenção política na instituição, assunto já objeto de investigação devido à denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Segundo Moro, Bolsonaro demitiu o diretor-geral da autarquia, Maurício Valeixo, porque ele resistia a trocar o superintendente do Rio, primeira providência tomada pelo novo titular, Rolando Alexandre de Souza, assim que assumiu a cadeira.
Nomeações publicadas no Diário Oficial
PublicidadeIntegrantes da Polícia Federal ouvidos pelo Congresso em Foco afirmam que a publicação das portarias com as designações de cargos de chefia foi a forma encontrada pelo governo para garantir que policiais federais pudessem ter aumento em suas gratificações, sem que isso fosse questionado na Justiça.
A cúpula da PF tinha o receio de que, com a sanção da lei de ajuda aos estados, que proibiu a criação de novos cargos, houvesse impedimento para a posse dessas novas funções.
“Houve esse estranhamento porque a publicação ocorreu no dia em que se falava de interferência política na PF por causa da operação que atingiu o governador Wilson Witzel. Mas a publicação foi apenas uma forma de garantir o benefício”, disse uma fonte da Polícia Federal sob condição de anonimato.
Convertida na Lei 14.003/20, a medida provisória passou pela Câmara e pelo Senado sem qualquer alteração. Por isso, foi promulgada pelo Congresso, em vez de sancionada por Bolsonaro. A norma transforma cargos comissionados, que podem ser ocupados inclusive por quem não é servidor público, em funções comissionadas, exclusivas de servidores.
A lei converteu 281 cargos em comissão do grupo de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) alocados na Polícia Federal em 338 Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE) e 6 Funções Gratificadas (FG), a serem destinadas à PF. E também cria 45 FCPEs e 471 FGs para a corporação.
As mudanças devem representar aumento de R$ 300 a cerca de R$ 1.100 a ocupantes de cargos de chefia. Além disso, superintendentes regionais, que passarão a ter uma FCPE- 4 terão direito a auxílio-moradia, a exemplo de servidores de outros órgãos com o mesmo tipo de gratificação.
Embora o governo tenha assumido posição firme contra o aumento para servidores públicos, a mudança na lei terá impacto orçamentário de R$ 7,9 milhões, mas não criará novas despesas, já que o recurso já está previsto no orçamento da corporação.
A medida foi gestada pelo ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça Luiz Puntel, braço direito do ex-ministro Sergio Moro como forma de melhorar a remuneração, sobretudo, de delegados federais e reconhecer cargos de chefia que existiam informalmente, sem que os titulares recebessem gratificações.
Para o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, a medida não é uma demanda corporativa, mas da própria instituição, que cobrava o reconhecimento de chefias que não existiam oficialmente.
“Havia uma dificuldade maior para conseguirmos voluntários para postos de chefia. Temos cargos em alguns lugares que não são de simples preenchimento porque não havia gratificação específica. Essa era uma reivindicação mais da PF do que das entidades de classe”, disse Edvandir ao Congresso em Foco. “Dos 2 mil delegados federais, cerca de 200 ocupam cargos de chefia, mas nem todos terão esse aumento na gratificação”, acrescentou.
Na avaliação do presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, a reestruturação da Polícia Federal é necessária, mas precisa ser feita de forma mais abrangente. “Não deve ser só para delegados. Entendemos que houve desprestígio da área criminalística, que não foi levada em conta na discussão. Isso leva a distorções dentro das superintendências regionais, dentro da criminalística. Gera preocupação sobre a autonomia que os peritos devem ter para trabalhar”, afirmou Marcos.
Para o presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Luiz Antonio Boudens, a medida representa um primeiro passo. “A regulamentação dá oportunidade para várias funções serem formalizadas. Mas podemos avançar para melhorar as relações internas da Polícia Federal e manter os policiais motivados”, declarou. “A federação foi contra a MP no início porque ela foi concebida dentro da secretaria-executiva do Ministério da Justiça. Desconfiávamos que pudesse haver privilégios, mas quando vimos seu alcance e que não haveria aumento de gasto público, passamos a aceitá-la”, emendou.
Civis e militares
A PF não foi a única a ser beneficiada com a demora de Bolsonaro em sancionar o auxílio de R$ 60 bilhões a estados e municípios. A manobra também permitiu o aumento para policiais civis e militares e bombeiros do Distrito Federal. No caso da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, o aumento previsto é de 25%, percentual aplicado sobre gratificação. Para a Polícia Civil, o aumento linear é de 8%.
Depois que o Congresso alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para ajustar a destinação dos recursos, o presidente publicou uma medida provisória para oficializar o reajuste. A iniciativa custará R$ 505 milhões apenas este ano de um fundo constitucional abastecido pela União para o Distrito Federal bancar gastos com saúde, educação e segurança pública.
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