Meses antes de morrer de infarto, aos 56 anos, o ex-ministro Gustavo Bebianno declarou ao Congresso em Foco que tinha amor fraternal pelo presidente Jair Bolsonaro, mas discordava de quase todas suas atitudes e entendia que ele deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico. As mensagens, enviadas pelo Whatsapp à reportagem do site, revelavam um homem decepcionado com o projeto que ajudou a construir. Ex-advogado de Bolsonaro, cuja campanha à presidência coordenou, Bebianno enxergava no presidente uma pessoa desequilibrada, cercada de “loucos” e fanáticos.
A ligação de Bebianno com Bolsonaro voltou à tona neste domingo com a revelação feita pela colunista Camila Mattoso, da Folha de S.Paulo, de que a viúva do ex-ministro, Renata Bebianno, informou ao Ministério Público e à Polícia Federal que destruiu o celular do marido sem ver o conteúdo que constava dele.
O depoimento foi dado no âmbito do processo que apura a suspeita de que a campanha do presidente se valeu de um esquema ilegal de disparo de mensagens pelo Whatsapp. Havia expectativa de que informações cruciais para as investigações pudessem ser recuperadas do aparelho. “Não avisam ao Jair que ele está quase nu. Jamais me furtarei de falar a verdade, mesmo que tal postura me imponha riscos. Sempre fui leal. Fanatismo não é lealdade”, disse ele ao Congresso em Foco em outubro do ano passado.
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Além de coordenar a campanha, Bebianno presidiu o PSL durante a campanha eleitoral a pedido do próprio Bolsonaro devido à relação de confiança entre os dois. Demitido após pouco mais de um mês à frente da Secretaria-Geral da Presidência, depois de confrontar o vereador Carlos Bolsonaro e ter seu nome associado a um esquema de candidaturas laranjas, Bebianno assumiu tom crítico em relação ao governo. Em outubro de 2019, o presidente chegou a levantar a suspeita, sem apresentar qualquer indício, de que o ex-aliado estava por trás do atentado contra ele em Juiz de Fora.
Procurado pelo Congresso em Foco, Bebianno afirmou, em 23 de dezembro do ano passado, que estava se preparando para promover uma interpelação criminal e cível contra o presidente. Em tom de desabafo, acrescentou:
Publicidade“No primeiro momento, fiquei com muita raiva. Só fiz o bem para esse cara. Carreguei a campanha nas costas, assim como o partido. Eu e o deputado Julian Lemos [que também se tornou desafeto do presidente]. Trabalhamos incansavelmente. Não aceito mentiras e acusações de qualquer natureza.
Apesar disso, a raiva passou. Sinto pena. O Jair está nitidamente desequilibrado. Precisa urgentemente de tratamento psiquiátrico. Estou também preocupado, uma vez que o país está sob seu comando. Isso tudo é muito triste. Não era para ser assim.”
Em 29 de outubro, após receber link da entrevista que havia concedido no mesmo dia ao Congresso em Foco, Bebianno disse que não se furtaria a falar a verdade, ainda que tivesse de assumir riscos.
“Tenho amor pelo Jair. Meu sentimento por ele é o mesmo. Não obstante, discordo de quase tudo o que tem feito. Meu sentimento por ele é genuíno, o que me obriga a ser verdadeiro. Não sou bajulador como a maioria que o cerca. Esses concordam com tudo, pois não têm amor pelo país, nem pelo Jair. Têm amor pelo poder e seus cargos. Não avisam ao Jair que ele está quase nu. Jamais me furtarei de falar a verdade, mesmo que tal postura me imponha riscos. Sempre fui leal. Fanatismo não é lealdade.
É como brigar com um filho, com um irmão, ou até mesmo com um pai. Espero que ele acorde”, escreveu.
Na entrevista publicada horas antes, Bebianno falou de seus planos de se filiar ao PSDB e coordenar a campanha de João Doria ao Palácio do Planalto em 2022 e afirmou que tinha receio de Bolsonaro tentar um golpe de Estado. Segundo ele, o candidato que ajudou a eleger deixou o poder subir à cabeça, abandonou suas promessas de campanha para proteger e favorecer os filhos, cercou-se de “loucos” e faz uma gestão marcada pelo autoritarismo, pelo “desarranjo mental”, pela irresponsabilidade e pelo “desgoverno”.
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Pré-candidato à prefeitura do Rio, Bebianno afirmou ainda que acreditava que o desfecho da passagem de Bolsonaro pelo Palácio do Planalto seria mais uma página triste da história política brasileira: com renúncia, impeachment ou tentativa de uma ruptura institucional. ““Não acredito que ele conseguiria consolidar uma ruptura institucional, mas tudo indica que ele vai tentar. É muito preocupante. Uma simples tentativa pode gerar muito derramamento de sangue. O Brasil não precisa disso. É um risco real”, afirmou.
Lutador de jiu-jitsu desde a juventude, Bebianno não bebia nem fumava e inspirava às pessoas de seu convívio a imagem de uma pessoa saudável. Quando Bebianno morreu, em 14 de março de 2020, amigos defenderam que as circunstâncias do infarto fossem apuradas. A família, no entanto, logo descartou a possibilidade de alguém ter atentado contra a vida dele. Segundo Renata, ele já havia relatado nos dias anteriores que não se sentia bem de saúde. Apesar da relação próxima que mantinham até o segundo mês de governo, Bolsonaro não divulgou qualquer mensagem de pesar pela morte do ex-coordenador de campanha e advogado.
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