Dois dias após a eleição do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) para a presidência da República, deputados alinhados à extrema-direita já preparam o avanço na pauta defendida pelo capitão da reserva. Consta da pauta desta quarta-feira (31) a discussão, com possibilidade de votação, do polêmico Projeto de Lei 7180/2014, que institui a chamada “escola sem partido”. A reunião da comissão especial instalada para discutir o assunto está marcada para 14h30, em uma das comissões da Câmara, para análise e votação do parecer elaborado pelo deputado Flavinho (PSC-SP).
Motivo de acirramento na polarização entre esquerda e direita brasileiras, a proposição “inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”.
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Para a direita, trata-se de pôr fim ao “doutrinamento político” por parte de professores em sala de aula; para a esquerda, uma inaceitável interferência da administração pública em ambiente escolar.
Para o deputado Flavinho, o projeto é pertinente pois, nos moldes de sua convicção cristã, assegura que a escolarização seja norteada apenas por concepções morais de indivíduos e famílias. “É preciso insistir que a escola não é propriamente sem partido. Os partidos não devem se afastar das escolas, nem podem fazê-lo sem renunciar, neste mesmo ato, ao seu próprio dever de discutir e viabilizar a educação”, observa o relator.
Há matéria tramita na Câmara desde 24 de fevereiro de 2014, quando foi protocolada. No anexo de seu relatório, em que recebe 30 emendas de conteúdo, o deputado Flavinho fixa seis “deveres do professor”:
1 – o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;
2 – o professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
3 – o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
4 – ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria;
5 – o professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;
6 – o professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
Mas a matéria não terá vida fácil na Câmara. Dois deputados – Érika Kokay (PT-DF) e Bacelar (Pode-BA) – já apresentaram votos em separado para a apreciação do relatório, ou seja, defendem a substituição de conteúdo a ser aprovado pela comissão especial. Depois dessa etapa de tramitação no colegiado, a matéria segue para votação em plenário.
Segundo opositores da matéria, que a apelidaram de “lei da mordaça”, o objetivo de seus apoiadores é transformação dos ambientes escolar e acadêmico em espaço de censura e perseguição política. Para a deputada petista, o projeto fere o próprio conceito de educação.
“É a apologia de um sistema de mera transmissão de conteúdos, sem que a relação de sala de aula incorpore a crítica, a contextualização, a problematização. O contrário do que postula o mais simbólico educador brasileiro, Paulo Freire, que vê a educação como um processo de interação entre sujeitos, um modelo de pedagogia para a autonomia e a liberdade”, escreveu Érika Kokay em artigo publicado recentemente.
Ingerência em curso
A discussão sobre a postura de professores em sala de aula, no que diz respeito à livre discussão de posicionamento político, já tem causado incidentes em diversos locais do país. A própria manifestação de caráter político-ideológico em tempos de eleição também tem provocado debates acalorados e desdobramentos jurídico-policiais Brasil afora.
Ontem (segunda, 29), professores de diversos departamentos da Universidade de Brasília (UnB) decidiram cancelar aulas depois que apoiadores do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) convocaram atos para dar início ao que chamam de “caça aos comunistas” – em uma das postagens, diz-se que “universidade não é lugar de comunista”. Há alguns dias, a deputada estadual Ana Carolina Campagnolo (PSL-SC) divulgou em redes sociais um banner em que pede a denúncia de docentes que venham a fazer “queixas político partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro”.
A professora de ensino médio, cujos slogans são “Por uma escola sem partido” e “Educação de qualidade de verdade”, pedia que as aulas sejam gravadas e enviadas para um número de WhatsApp. Hoje (terça, 30), o Ministério Público de Santa Catarina deu início a uma ação para investigar a conduta da parlamentar.
Na semana passada, a Justiça Eleitoral em diversos estados autorizou ações policiais para impedir o cometimento de crimes eleitorais em ambiente universitário. A interferência judicial, sob suspeita de ter sido orquestrada às vésperas do segundo turno, teve pronta reação de associações de docentes que denunciaram excessos e irregularidades por parte de forças de segurança. A reportagem reuniu fotos, manifestos, notas e mandados judiciais apresentados por agentes nas instituições de ensino, a maioria com o objetivo de recolher materiais considerados indevidos em período de eleições e de proibir aulas públicas e manifestações no ambiente acadêmico.
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