A crescente insatisfação do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o andamento de sua pauta econômica e com o presidente Jair Bolsonaro acendeu o sinal amarelo no Congresso. Parlamentares com perfil reformista temem que o desgaste provocado pelas declarações do ministro e pelo seu desconforto com Bolsonaro implique a saída precoce de Guedes do governo e jogue por terra todas as tentativas de se ajustarem as contas públicas do país, desarrumando de vez a economia.
O entendimento de lideranças ouvidas pelo Congresso em Foco é de que é preciso blindar o ministro de ataques, inclusive do fogo amigo, e fortalecer sua articulação com o Parlamento, independentemente do governo. Na avaliação deles, o problema de Guedes não é com o Congresso, mas com o próprio presidente e o núcleo político do Planalto.
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“A minha leitura é que hoje o principal sabotador do Paulo Guedes é o presidente Bolsonaro. O Congresso, a despeito de uma declaração infeliz ou outra, confia na pauta econômica dele”, disse o deputado Marcelo Ramos (PL-PR), ex-presidente da comissão especial da reforma da Previdência. “A única reforma que ele mandou [a da Previdência] nós aprovamos. As outras duas [tributária e administrativa] ele nem consegue mandar”, acrescentou o deputado.
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Nesta quinta-feira (20), o ministro procurou mostrar que tem bom relacionamento com o Parlamento. “É natural, é político, esse empurra pra lá e pra cá e tem gente bem-intencionada dos dois lados. Estamos absolutamente seguros que as reformas continuam”, afirmou durante evento no Palácio do Planalto. “O pacto federativo está no Senado. A administrativa vai entrar na Câmara e o próprio congresso já tem alguns itens da tributária. Vamos trabalhar juntos nisso”, emendou. Na ocasião, ele também pediu desculpas pelo mal-estar criado por suas declarações em relação às empregadas domésticas.
Populismo x liberalismo
Ramos conta que já aconselhou Guedes a falar como ministro. “Há coisas que ele diz como economista mas não pode dizer como ministro”, disse o deputado. Na avaliação dele, o desgaste na relação entre o ministro e o presidente passa pelo descompasso entre o populismo de Bolsonaro e o ideário liberal de Guedes. “A reforma tributária não veio até agora porque a equipe econômica defende a criação de um imposto para compensar a desoneração da folha. O presidente não aceita. A administrativa ainda não veio porque bate de frente com os compromissos corporativistas do Bolsonaro”, avaliou Ramos.
A resistência de Bolsonaro à reforma administrativa foi o estopim para Guedes entregar o cargo à disposição do presidente na última terça-feira (18), como revelou o Congresso em Foco. Ele já havia ameaçado sair outras vezes, mas não de maneira tão contundente como essa. Peça-chave do ministro para a aprovação das reformas no Senado, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), considera que Guedes tem sido pressionado a fazer um papel que não deveria competir a ele, mas ao núcleo político do governo.
“O desgaste é que o que está sendo apresentado para cá não está passando pelo filtro de lá, do Planalto”, afirmou. Para a senadora, as propostas econômicas do governo têm chegado como uma “ideia bruta”. “O núcleo político está falhando. Não é do ‘métier’ do ministro Guedes ser político. Isso é desgastante”, entende.
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Simone conta que conversou com Paulo Guedes sobre as três propostas de emenda à Constituição do programa Mais Brasil [dos Fundos, da Emergência Fiscal e do Pacto Federativo], em tramitação na CCJ, e sentiu respeito dele em relação ao Parlamento. “Ele me disse que entende que o Congresso tem direito de modificar as propostas e que o importante é manter a essência das propostas. O entorno é decisão do Congresso”, disse a senadora ao Congresso em Foco.
Articulação política
Um trunfo do Planalto para melhorar sua representação no Legislativo é o novo vice-líder do governo no Congresso, o deputado paranaense Ricardo Barros (PP). No sexto mandato, foi líder ou vice-líder de três governos (FHC, Lula e Dilma) e ministro da Saúde de um quarto presidente (Temer).
“Estou animado e confiante que vamos avançar bastante na pauta legislativa”, disse ele ao Congresso em Foco, citando entre as prioridades a reforma tributária, o marco do saneamento, o projeto de improbidade e a nova regulação para parcerias público-privadas (PPP).
Eleito com discurso de renovação, embora tivesse 28 anos como deputado federal, Bolsonaro escalou dois emedebistas experientes para a liderança do governo no Senado e no Congresso, com os senadores Fernando Bezerra (PE) e Eduardo Gomes (TO). E se prepara agora para fechar a trinca de líderes governistas com o deputado do MDB Osmar Terra (RS), outro experiente parlamentar do partido mais identificado com o fisiologismo, tão criticado em discursos por Bolsonaro.
Terra deve assumir a liderança na Câmara, depois de ter sido demitido do Ministério da Cidadania, que passou a abrigar no início da semana Onyx Lorenzoni (DEM). Uma dança de cadeiras que fez com que todos os ministros com gabinete no Palácio do Planalto sejam hoje militares. Se pensava que havia acabado com divergências políticas internas ao deixar a articulação política com o general Luiz Eduardo Ramos, Bolsonaro se enganou.
Maia e militares
O vazamento de um áudio em que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, critica a tentativa de acordo feito pelo general Ramos com o Congresso, para manter um veto presidencial, irritou o Congresso. “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, disse Heleno em reunião com Guedes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não deixou passar em branco: “Uma pena que o ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento”.
Rodrigo Maia, na Câmara, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, ainda são os grandes fiadores e aliados de Guedes no Congresso. Maia entrou em campo nos últimos dias para evitar que uma bomba estourasse no colo de Guedes. Convenceu a relatora da proposta do novo Fundeb, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), a desistir da ideia de aumentar, dos atuais 10%, para 40% o montante de participação do governo federal no fundo para a educação. Em setembro, ao ser surpreendido com o relatório inicial da deputada, Guedes reagiu, na frente de vários técnicos que discutiam o assunto naquele momento com ele: “Se isso passar, vou embora. Não vou ter mais o que fazer aqui”.
O assunto ganhou outro caminho depois que Maia fez o meio de campo entre Guedes, técnicos e gestores educacionais, Dorinha e outros deputados da Comissão de Educação. O MEC, parte mais diretamente interessada, não se envolveu na discussão do tema em nenhum momento. O projeto vai passar com 20%, percentual já acordado e aceito por todos os envolvidos.
No Senado, Guedes conta com o apoio de Davi Alcolumbre, de quem tem se tornado cada vez mais próximo para aprovar sua agenda econômica. O ministro sabe que as propostas do ajuste fiscal, acima citadas, enfrentam resistência. A PEC de Emergência Fiscal, espécie de ensaio para a reforma administrativa, só agrada ao ministro, aos governadores e aos prefeitos ao prever a redução salarial com redução de jornada em caso de crise nas contas públicas. Nem os parlamentares, nem Bolsonaro, nem outras autoridades e áreas do governo federal, do Legislativo e do Judiciário querem ver a medida aprovada.
Jogo amador
Um experiente deputado da base governista ouvido pelo Congresso em Foco, que ocupou cargos de liderança em gestões anteriores, diz que o governo pratica “jogo amador” na relação com o Congresso. Para exemplificar, ele explica que, para aprovar a reforma da Previdência, Bolsonaro prometeu pagar no ano passado um extra de R$ 20 bilhões em emendas parlamentares. Promessa que ele não podia ter feito. “Ele esqueceu que o orçamento é vinculado, até podiam conseguir o dinheiro no caixa, mas não havia como fazer porque esbarrava no teto de gastos e nas vinculações. Então o governo pagou R$ 10, R$ 12 dos R$ 20 bi que tinha ficado de pagar em 2019 e está devendo mais R$ 20 bilhões que ficaram para este ano”.
Na avaliação desse parlamentar, que pediu para não ser identificado, a inexperiência política de Guedes e a representação do governo por políticos novatos, sem estofo para a função, como o atual líder na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e a ex-líder no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), aumentaram as dificuldades do Planalto. “Joice, Vitor Hugo… são pessoas sem vivência com o poder”. Na opinião dele, o fundamental para o governo fazer a agenda econômica andar é apostar em Rodrigo Maia, ainda que o deputado fluminense mantenha uma proximidade com parlamentares à esquerda que incomodam Bolsonaro e seu entorno.
Para Marcelo Ramos, é preciso apostar na “identidade de pensamento econômico” entre Guedes e Maia. “Felizmente temos um presidente da Câmara que tem a grandeza de, muitas vezes, deixar de lado diferenças que possam acontecer, de frases fora de contexto ou contra o Parlamento, e colocar acima o compromisso com o que o Brasil precisa”, afirmou o deputado. “Guedes tem uma boa relação com o Congresso, mas não diria que ele tem uma bancada como o ministro Sergio Moro, por exemplo. Justiça seja feita, Guedes não avança o sinal da política”, acrescentou.
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