Quatro mulheres parlamentares denunciaram nesta terça-feira (23), em uma audiência temática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as violências políticas que enfrentam no Brasil.
A reunião foi realizada por meio de plataformas digitais e também contou com a presença de representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
As eleições municipais de 2020 foram históricas, tanto pela quantidade quanto pela diversidade de mulheres eleitas. Foi uma eleição recorde de pessoas trans. Porém, os números não garantem que vereadoras, prefeitas e deputadas eleitas consigam exercer suas funções em segurança, e elas seguem recebendo ataques e ameaças.
A professora Ana Lúcia Martins (PT-SC), primeira vereadora negra de Joinville (SC), vem sofrendo ataques racistas e ameaças de morte. Para ela, as ofensas diretas ou simbólicas atacam diretamente sua privacidade e idoneidade.
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“Essas pessoas não reconhecem a mulher negra como sujeito de direito”, afirma. Ela conta que não está tendo apoio do governo federal para garantir a sua proteção. “O Estado está totalmente omisso quando as violências que estou sofrendo, bem como de outras parlamentares negras”.
O Brasil registra, em média, um ato de violência política a cada quatro dias. É o que aponta o levantamento realizado pelas ONGs de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global. De janeiro de 2016 a setembro de 2020, foram registrados 125 assassinatos e atentados, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e 4 casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.
PublicidadeNos dez primeiros meses de 2020, o país chegou a 151 assassinatos de pessoas trans, com o quinto aumento consecutivo da taxa. Nesse período estima-se um aumento de 22% das mortes do que em todo o ano de 2019, quando foram registrados 124 assassinatos.
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Ana Lúcia compõe o coro das parlamentares que clamam pelo direito de exercer seus mandados com tranquilidade. Junto com ela na audiência pública estavam Carolina Iara, mulher intersexo, travesti, negra, co-vereadora eleita pelo sistema de mandatas coletivas; Erika Hilton, a mulher mais bem votada no Brasil em 2020, negra e travesti. Ambas acusam o estado brasileiro de negligência ao tratar as acusações de violência política.
Iara, assim que a coletiva de que faz parte foi eleita, teve disparos realizados em frente a sua casa por uma suposta arma de fogo. Hilton teve o gabinete invadido após a posse.
“Tem sido difícil ser parlamentar no Brasil. Nós somos atacadas e perseguidas”, afirma Hilton. Ela lembra que a faculdade onde estudou foi alvo de vandalismo. “Pixaram as expressões: Mulher, negra, eleita, morta. Nós vivemos todos os dias com medo”.
A reunião, exclusivamente direcionada às denúncias dos casos brasileiros, foi resultado da articulação das organizações Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Criola; Terra de Direitos; Instituto Marielle Franco; Justiça Global; Rede Nacional de Negras e Negros LBGT e o Instituto Raça e Igualdade, que protocolaram o pedido de audiência para visibilizar e reivindicar do governo brasileiro uma atuação coordenada para proteger a vida e os direitos políticos das candidatas eleitas, diante do fenômeno da violência política e eleitoral.
O Estado brasileiro, representado pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, disse que está sensível à pauta, recebendo denúncias por meio do Disque 180, número específico para comportar as violências de gênero de toda espécie.
A secretária Nacional de Políticas para Mulheres, Cristiane Rodrigues Britto disse, também, que a temática é nova e o debate ainda não é amplo. “Projeto Mais mulheres no Poder, é um exemplo de iniciativa para não afastar as mulheres da política; fizemos seminários e campanhas com organismos internacionais”.
Os 30% reservados para candidaturas femininas e do fundo partidário, além do tempo de publicidade em rádio e televisão, como fomento de candidaturas para mulheres na política foi amplamente citado como iniciativas vitoriosas para a equidade de gênero no plenário.
A deputada Rosângela Gomes (REP – RJ) autora do Projeto de Lei 349/2015, que trata sobre o combate à violência política política, disse que o Estado está empenhado e preocupado em proteger suas cidadãs na luta pela igualdade de direitos.
A prefeita de Bauru, Suellen Rossin, que sofreu ataques racistas em sua candidatura, relatou que as polícias e governantes deram total assistência em seu caso, ao contrário do relatado pelas demais parlamentares presentes na audiência.
Anielle Franco, irmã da vereadora carioca Marielle Franco e fundadora do Instituto que leva o nome da parlamentar, disse que o assassinato da parlamentar é uma das maiores amostras da negligência do Estado pela vida aquelas pessoas que são defensoras dos Direitos Humanos.
“Quase 100% das parlamentares negras não realizam qualquer denúncia dessas violências. Denunciar não causa nenhuma segurança, ao contrário”. Para ela, a existência das cotas é ineficaz se não houverem medidas de combater às violências. “Se o estado não reconhecer o racismo e a LGBTfobia, o Disque 180 não vai combater a violência e nem a impunidade”.
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Thaís Rodrigues é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.
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