O presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC), Marcos Secco, afirma que a autonomia das perícias no Brasil é importante para trazer mais eficiência e economia aos estados. Segundo ele, a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC 76/2019) que inclui a Polícia Científica entre os órgão de segurança pública também é necessária para que o país possa cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso do massacre da favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (entenda o caso no final da entrevista).
A ABC é uma das entidades apoiadoras do Prêmio Congresso em Foco 2024.
A PEC 76 foi aprovada em março na Comissão de Constituição e Justiça e será analisada em seguida pelo Plenário. Atualmente as polícias científicas ainda estão subordinadas às Polícias Civis em seis estados e no Distrito Federal.
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Entidades que representam a categoria argumentam que uma perícia criminal autônoma e independente é o pilar fundamental para o combate à criminalidade, para a promoção dos direitos humanos e para a garantia de julgamentos justos.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Uma das principais pautas para a ABC é a autonomia da Polícia Científica. Por que isso precisa acontecer?
PublicidadeMarcos Secco – Primeiro que, em 2017, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da favela Nova Brasília, que inclusive esse ano completa 30 anos. Em 1994, houve um massacre lá, onde 26 pessoas foram executadas, dentre elas, três mulheres foram violentadas. A investigação aponta a provável participação de policiais em atividades ilegais. Numa situação como essa, é fundamental garantir a isenção e a imparcialidade, para que a verdade prevaleça e a justiça seja feita.
E quando você administra uma área, mas não tem conhecimento específico dela, e tiver que fazer uma escolha na hora de investir, você vai tender sempre para o lado daquilo que você domina. E isso é uma coisa natural do ser humano. O delegado é formado em Direito e é quem faz a gestão dos órgãos de Polícia Civil. É frequente ver situações em que a polícia civil prioriza investimentos em viaturas, armas e coletes, enquanto a perícia fica sucateada, sem os equipamentos necessários.
Com uma Polícia Científica autônoma e independente no Estado, ela também, pelo pilar da eficiência e economicidade, presta serviço para todos os outros demais órgãos de segurança pública, para o Judiciário, MP e outros. Se todos os órgãos de segurança fossem ter um núcleo de perícia, não seria decente em nenhum, porque é caro. O estado gastaria duas, três vezes para a mesma coisa, sendo que se você concentrasse os equipamentos em um órgão só para fazer o serviço para todos, ficaria muito mais barato, eficiente e produtivo.
A PEC 76/2019 está em tramitação no Senado. Que análise o senhor faz dessa proposta?
Nós trabalhamos o texto dessa PEC com a relatora [Professora Dorinha Seabra]. É o texto ideal para o cenário nacional. Vai ao encontro do cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Hoje, no âmbito do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e no Ministério dos Direitos Humanos, existe uma comissão formada que acompanha o cumprimento das sentenças provenientes desta corte e essa é uma pauta que está dentro dessa comissão.
Tanto é que no âmbito da ADPF 635 [que restringiu as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro], cujo relator é o ministro Edson Fachin, ele determinou que o CNJ montasse um grupo de trabalho para que se fizesse um levantamento de como estão as perícias no Brasil e em especial a Polícia Científica do Rio de Janeiro. Esse relatório já foi produzido e afirma que, em função do cumprimento da sentença, os órgãos de perícia devem ser autônomos.
O senhor acredita que essa PEC possa ser aprovada em breve?
Sim, há grande chance. A voz começou a ecoar de tal forma que, tecnicamente, não tem o que se falar mais da importância de termos autonomia dos órgãos de perícia no Brasil. Agora só precisamos avançar no campo político e convencer o senador Rodrigo Pacheco [presidente do Senado] a pautar e, uma vez sendo aprovada, atravessar o outro lado e ir para a Câmara.
Além da autonomia, quais são as outras medidas que devem ser tomadas para valorizar a perícia?
Investimento. Como é uma atividade cara, o retorno é diretamente proporcional ao investimento. Pensa naquela imagem do investigador com uma lupa na mão. Imagina que a capacidade de ampliação daquela lupa é o que vai me permitir dar um resultado melhor, só que isso depende dos meus equipamentos. Então se eu tenho um equipamento que me dá 10 vezes, eu vejo uma coisa. Se já me dá 100, eu já vejo outra coisa e assim sucessivamente.
Entenda por que o Brasil foi condenado pelo massacre em favela do Complexo do Alemão
Em 2017 o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no “Caso Nova Brasília” por violência policial. A Corte sentenciou o governo brasileiro, na ocasião, que garantisse autonomia à perícia criminal.
Em outubro de 1994, uma incursão policial na Favela Nova Brasília, localizada no Complexo do Alemão, no Rio, terminou com a morte de 13 homens da comunidade, quatro deles menores de idade. Além disso, três mulheres, duas delas menores de idade, sofreram atos de violência sexual por parte das forças policiais.
Meses depois, em maio de 1995, nova operação policial, na mesma localidade, resultou novamente na morte de 13 homens, sendo dois deles menores de idade. O Brasil foi condenado internacionalmente por não ter dado andamento às investigações e à responsabilização pelos crimes.
A corte considera que um dos principais problemas constatados no caso foi a ausência de um corpo pericial independente, uma vez que a própria Polícia Civil realizou a investigação dos casos em que um de seus membros era apontado como autor da violação de direitos humanos.
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