A ideia em um segundo O presidencialismo de coalizão segue sendo o paradigma operacional do sistema decisório político-federal. Jair Bolsonaro soube operar bem dentro desse sistema e se posiciona, a partir dele, para a campanha pela reeleição – inclusive com seu ensaio de filiação ao PL. De um ponto de vista do Congresso Nacional, fatores institucionais tendem a gerar uma Legislatura ainda mais à direita, porém são contrabalançados pelo coattail effect da candidatura de Lula. |
Instituições importam
A Ciência Política discutiu e discute, em profundidade, o papel das instituições. Um consenso existe: as instituições importam. Com esse pano de fundo, Sergio Abranches discutiu a configuração institucional brasileira com a Constituição de 1988. Supostamente, era para as coisas não funcionarem bem. Mas surpreendentemente funcionaram e Abranches cunhou o termo presidencialismo de coalizão para o sistema.
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A literatura ao longo do século 21 oscilou entre os que concordavam com Abranches e os dissonantes. Essa discussão pode ser ricamente revista na obra Legislativo Pós-1988: reflexões e perspectivas (disponível gratuitamente, clicando no nome). O Farol Político já mencionou o presidencialismo de coalizão algumas vezes, ressaltando a importância de se ter o conhecimento sobre as estruturas básicas do sistema político-decisório nacional, que se articula entre Executivo e Legislativo.
PublicidadeA estrutura define incentivos e desincentivos comportamentais, moldando a atuação dos agentes, que passam a se adaptar ao desenho estrutural vigente.
Presidencialismo de coalizão no auge
O gráfico a seguir apresenta o Índice Congresso em Foco em um gráfico de dispersão, buscando facilitar a visualização da informação. O índice traz o resultado bruto de votos com o governo na Câmara dos Deputados [votos de acordo com a orientação do governo em relação ao total de votantes em cada votação – portanto, o índice oscila entre 0 (nenhum voto de acordo com a orientação do governo) e 1 (todos os votos de acordo com a orientação do governo)].
No gráfico percebe-se uma concentração maior de resultados nos quadrantes superiores a partir de 2019 (maior concentração de pontos azuis). De fato, o Índice Congresso em Foco mostra que o governo Bolsonaro é recordista em apoio na Câmara dos Deputados. Por esse motivo, entende-se que o presidencialismo de coalizão chegou ao seu auge.
O que significa o auge?
Um Poder Executivo enfraquecido, ou, ao menos, mais dependente do Congresso, é como óleo lubrificante para o sistema. No caso de Jair Bolsonaro, os mais de cem pedidos de impeachment fazem com que não possa se indispor com o Congresso (tendo motivado seu grande empenho em assegurar parlamentares aliados nas presidências da Câmara dos Deputados e no Senado Federal no início de 2021).
Outro ponto foi a abertura das torneiras das emendas parlamentares. Membro do baixo clero da Câmara dos Deputados por 28 anos, Bolsonaro sabe bem o efeito desse instrumento. Seu uso foi incrementado tanto em quantidade (valor) quanto em qualidade (adoção do sistema das emendas de relator, chamado de Orçamento secreto, somente agora bloqueado pelo Supremo Tribunal Federal).
Nessa circunstância, considerando a última década (os dados do índice abrangem votações a partir de 2010), Bolsonaro é o presidente com o maior apoio da Câmara dos Deputados. Essa posição tenderia a ficar ainda mais favorável com sua eventual ida para o Partido Liberal (PL), um dos atores do chamado Centrão. Tecnicamente, Bolsonaro voltaria a ter formalmente uma bancada para chamar de sua. E o PL poderia esperar, pelo coattail effect, ampliar fortemente sua bancada federal nas próximas eleições.
Posicionamento para 2022
Deixadas de lado as críticas ao presidente Jair Bolsonaro, é de se reconhecer que ele se revelou um operador político habilidoso. Em sua eleição, soube explorar o antipetismo e saiu na frente no uso das redes sociais, superando a falta de recursos com uma campanha extremamente eficiente. Soube sobreviver a grandes contratempos, como a saída tumultuada de Sergio Moro do governo. Também soube embaralhar as percepções com relação à gestão da pandemia.
Tendo afirmado que governaria sem apoio nos partidos, converteu-se rapidamente ao business as usual assim que sentiu o risco concreto que os pedidos de impeachment traziam. E tem sido um operador generoso para com seus aliados – o suficiente para seguir fazendo o que quer, despreocupadamente. Sintomático dessa situação, na última rodada do Painel do Poder, os parlamentares manifestam-se mais incomodados com exorbitâncias do Poder Judiciário do que do Poder Executivo.
A pendente decisão de Bolsonaro de se filiar ao PL foi outro movimento estratégico de grande sensibilidade. As eleições de 2022 dão sinais de que se pautarão mais pela normalidade, o que significa, em termos operacionais, que recursos para a campanha voltam a fazer diferença. E esses estão fundamentalmente ligados, no contexto atual, aos fundo partidário e eleitoral, definidos pelo tamanho da bancada de deputados federais. Ou seja, em uma tacada, Bolsonaro solidifica sua opção de governar com partidos do Centrão, filiando-se a um deles, e assegura a disponibilidade de recursos eleitorais – fundo partidário, tempo de televisão.
A campanha será dura e o cenário, voltamos a insistir, é bem diferente do de 2018. Contudo, em termos de movimentos preparatórios, Bolsonaro, até o presente, acertou em boa medida. Seus erros residem em não ter conduzido bem a sociedade e a economia até o momento, e, como também tratamos em edição passada do Farol, o atraso na definição da legenda custou tempo na preparação de palanques estaduais.
Vencendo ou não Bolsonaro, entretanto, o modelo deve permanecer, cada vez mais forte. A permanência do sistema reforça o próprio sistema. Ainda que ganhe algum candidato oposicionista, como bom herdeiro, vai desfrutar daquilo que até a véspera fazia questão de contestar. O sistema do presidencialismo de coalizão deve reforçar a imbricação Executivo x Legislativo em um quadro de dependência mútua típico das relações parasitárias, conforme destacado na edição do Farol da semana passada.
O que esperar da próxima Legislatura
O acesso aos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral combinados com o alto nível de execução das emendas parlamentares traz um potencial muito grande de reeleição aos parlamentares da base aliada. Como as instituições importam (mote deste Farol), é de se esperar que a próxima Legislatura apresente um índice de renovação menor do que a anterior, com um viés favorável a parlamentares da direita.
Porém, pelo lado da esquerda, a candidatura de Lula também produz o coattail effect. Assistiremos ao choque desses efeitos, tendo como pano de fundo normativo a Constituição de 1988 (a Constituição Cidadã, que, no papel, inaugurou um Brasil como estado de bem-estar).
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CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
A pacificação interna do PL, que deu “carta branca” a seu presidente, Valdemar Costa Neto, para negociar os termos da adesão de Jair Bolsonaro deixam o presidente mais perto de se filiar ao partido, traçando o rumo escolhido para a sua tentativa de reeleição. Enquanto isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva percorria países da Europa tentando construir para si o figurino de estadistas em encontros, por exemplo, com o presidente da França, Emanuelle Macron. Foi uma semana que voltou a destacar os dois candidatos que polarizam a eleição. | Enquanto isso, segue embolada a indefinida a construção da tal terceira via, uma alternativa a essa polarização. A forma como Sergio Moro entrou no jogo pelo Podemos surpreendeu por colocá-lo já dividindo a terceira posição com Ciro Gomes, do PDT. Mas ambos disputam em faixa bem mais abaixo, em torno de 10%. As pesquisas mostram um percentual em torno de 30% que não se definiu nem por Lula nem por Bolsonaro. É um percentual com potencial para colocar alguém no segundo turno no lugar do presidente. Mas um da mais de dezena de postulantes à terceira via precisaria aglutinar isso, o que não aconteceu. Pelo menos ainda.
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