A ideia em um segundo Semana agitada em Brasília, especialmente com a super-terça (9), com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a liberação das emendas do chamado Orçamento secreto e a aprovação em segundo turno na Câmara da PEC dos Precatórios. Fenômenos como a exoneração em massa no Inep, a trava no Orçamento e o anúncio da filiação do presidente Jair Bolsonaro ao PL precisam ser compreendidas. Esta edição do Farol faz uma incursão rápida por cada um deles buscando desnudar para o leitor sua lógica estrutural. |
O Farol desta semana toca em três questões que agitaram a semana política. A exoneração em massa de servidores do (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) dias antes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o chacoalhão do STF no Orçamento secreto e a possível filiação do presidente Jair Bolsonaro ao PL. Mais do que o calor da notícia, é interessante identificar e compreender a lógica subjacente aos fenômenos.
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A lógica parasita
A cerca de duas semanas de aplicação do Enem, dezenas de servidores de carreira do Inep pediram exoneração de seus cargos gerenciais. O grupo constitui, segundo reportagem do Estadão (“Enem: 35 servidores do Inep pedem exoneração coletiva”, 08/11/21), 58% dos coordenadores do Inep.
A exoneração põe em risco uma das mais importantes ações de avaliação de aprendizagem nacional, além de prejudicar outras atividades do Inep. Lembrando que, hoje, a prova é utilizada como porta de entrada para dezenas de universidades. O ponto a que pretendemos chamar atenção é a lógica do fenômeno, que se espalha por outros órgãos da administração.
Como afirmou o professor Marcos Nobre acerca do governo Bolsonaro, sua lógica é de parasitismo. Um parasita é um organismo que vive às custas e em prejuízo de outro, o hospedeiro. Contudo, embora o parasita passe a ditar em boa parte as condições de vida do hospedeiro, é fundamental que este último sobreviva, daí uma dependência intrínseca do parasita.
Pois bem, a gestão que se viu no Ministério da Educação desde as funestas administrações Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub é de parasitismo. Ao passo em que criticam tudo que se fez da educação brasileira desde há muito, eles precisavam que o órgão realizasse uma série de atividades que dão suporte às necessidades da população. É importante para o parasita que a sociedade não grite muito, para que seus próprios gritos de denúncia soem mais alto. Descomprometem-se com o funcionamento do governo enquanto se sentam na janela para criticar.
Mesmo procedimento tem o ministro da Economia, Paulo Guedes. O ministro já alcunhou os servidores públicos de “inimigos”, criatura a ser combatida com uma “granada no bolso”. Guedes esquece de falar, contudo, que sua “equipe” de trabalho é 99% composta por servidores públicos. Para quem anda pelos corredores da administração pública em Brasília, era sabido que os indicados de Guedes, vindos do setor privado, mostraram em geral grande desconhecimento do funcionamento do governo, o que prejudicou os trabalhos e os resultados. Enquanto ele critica, quem faz o trabalho do ministério de Guedes são aqueles que ali sempre estiveram e cumprem suas ações instituídas em normas e regulamentos.
Por fim, o presidente Bolsonaro utiliza com maestria a lógica do parasitismo. Durante a pandemia, o país e seu governo não implodiram porque o Congresso, então grande inimigo, aprovou o Auxílio Emergencial que impediu o avanço da miséria no ano 2020. Na mesma linha, o altamente capilarizado e tripartite SUS atendeu à população em inúmeras situações de vida e morte enquanto o presidente falava mal de vacinas e deixava a cabeça do sistema, o Ministério da Saúde, na mão de inexperientes e pouco interessados comandantes.
A lógica do parasitismo é clara. É preciso que o governo funcione de alguma forma para que a sociedade não veja a incompetência dos mandatários, enquanto estes podem se refestelar nas denúncias de tudo e todos.
Orçamento secreto
Nesta semana, o STF tomou atitudes fortes contra o “Orçamento secreto”, iniciadas pela decisão monocrática da ministra Rosa Weber, ratificada depois por outros sete dos dez ministros da Corte. A suspensão das emendas dirigidas pelo núcleo do governo aos aliados, se não inviabiliza o governo imediatamente, exige que o mecanismo de captação de apoio político seja reconstruído.
Desde o enfraquecimento do governo Dilma, o Congresso avança sobre o controle do Orçamento. Emendas individuais e de bancada passaram a ser “impositivas”, isto é, o poder Executivo é obrigado a pagá-las. Visto pelo lado do parlamentar, deixaram de ser objeto de barganha política como “emendas por votos”.
Classicamente verbas públicas, cargos no governo e alinhamento ideológico constituem os mecanismos para a construção de uma coalizão. No caso brasileiro, o alinhamento ideológico mostra-se frágil pela inoperância das pautas que podem mobilizar a direita e a centro-direita, como questões de costumes e reformas pró-mercado.
A distribuição de cargos encontra-se já estabelecida e a cada dia postos no governo sofrem um deságio pela aproximação das eleições e a possível chegada de um novo governo. As verbas, por sua vez, precisavam de um aditivo, já que as emendas impositivas individuais e de bancada prescindem do aval do governo. O orçamento secreto é reposição do mecanismo de “gestão da coalizão” por meio de verbas, uma nova camada de emendas discricionárias sobre as camadas impositivas.
Com a decisão do Supremo de manter suspenso o orçamento secreto, a última ferramenta de gestão da coalizão se extingue. Então, teremos a reposição do mecanismo por outras vias ou uma forte desagregação das bancadas em torno ao governo. Nesse sentido, o STF é um grande ator das eleições 2022.
Indo para o PL
Nesta semana, pareceu consolidar-se a opção do presidente da República pela filiação ao PL, desconsiderando as ofertas do PP.
Quais as razões do movimento?
Do lado do presidente, a necessidade de uma legenda para concorrer à reeleição, já que abandonou o PSL pelo qual se elegeu em 2018. Ademais, é preciso um partido com uma estrutura ao menos mediana, capaz de financiar e organizar uma eleição presidencial.
Quanto aos partidos, a grande questão é: Bolsonaro pode ganhar a próxima eleição presidencial? E se vencer, o que o partido leva com isso?
A experiência do PSL ensina que levar um presidente ao Planalto não abre as portas de cargos e recursos. Antes de ser abandonado, o PSL já vivera a situação de pouco espaço no governo. Vale lembrar que o grande beneficiado a partir de 2019 foi o DEM, que indicou vários ministros e ainda tinha a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Ponto importantíssimo, o presidente, ao mudar de partido, não leva consigo o fundo eleitoral que teria no partido em que se elegeu. Neste caso, o PSL se beneficiará de recursos que poderiam estar custeando a campanha de Bolsonaro se lá ele tivesse permanecido. O PL, por sua vez, não vê nada deste dinheiro.
A atratividade de ter um candidato a presidente forte, no caso do PL, é constituir uma bancada também forte.
O PL possui atualmente 43 deputados federais, a terceira maior bancada na Câmara. Na última eleição, o PSL passou de insignificante a 52 deputados – a bancada eleita em 2018. O PL pode estar a imaginar que com Bolsonaro encabeçando sua chapa, num ambiente sem coligações proporcionais, haja uma robusta chance de aumentar seu número de deputados e senadores.
E por que o PP também lutou pela filiação de Bolsonaro? No caso do PP, além do possível aumento de bancada (hoje contam com 42 deputados), há uma dimensão local bastante forte em questão.
Arthur Lira tem como principal adversário em Alagoas o visceralmente lulista senador Renan Calheiros (MDB). Lira, se tivesse, ou ainda tiver, o apoio de Bolsonaro, pode enfrentar com mais força seu grande opositor em seu estado.
Da mesma forma, Ciro Nogueira, um dos principais nomes do PP, tem pretensões políticas num dos estados mais lulistas do país, o Piauí. Wellington Dias, governador petista que não pode concorrer à reeleição, deve dirigir a máquina lulista no estado em 2022. Se Ciro Nogueira tivesse, ou tiver, o apoio de um candidato a presidente relevante no estado, suas chances de bons resultados aumentam.
TERMÔMETRO
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
Seria a essa altura ainda leviano dizer que o governo já pavimentou o caminho para aprovar também a PEC dos Precatórios no Senado. Mas a velocidade com que a PEC foi enviada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ali pautada, com o acréscimo de que o relator será o próprio líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), são indicativos importantes. É verdade que se tentou um caminho para levar diretamente a PEC ao plenário, que não prosperou. Mesmo assim, os gestos parecem ir no sentido de alguma boa vontade pelo menos em apreciar logo o tema. A previsão de Fernando Bezerra é de aprovação até o início de dezembro. | O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi um verdadeiro The Flash na definição da tramitação e do nome do relator da PEC dos Precatórios. Mas, no caso da sabatina do ex-ministro da Justiça André Mendonça para a vaga aberta no STF, ele continua mais parado que uma pedra lotada de musgo. Esta semana, ele foi explícito nesse sentido: “Tudo parado”. É verdade que as motivações de Alcolumbre não são essas. Mas a decisão do STF sobre o Orçamento secreto mostra como a Corte julga-se ciosa em servir de freio e contrapeso a abusos dos demais poderes. Esta semana, ao comentar a decisão, Bolsonaro chegou a dizer que só tem no STF Kássio Nunes Marques, que seria os 10% dele. Se depender de Alcolumbre, tão cedo o presidente não aumenta esse percentual.
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