A ideia em um segundo O impacto da pandemia na população em geral se apresenta com uma dupla face. Por um lado, as pessoas sentem-se mais frágeis, desamparadas, medrosas, pessimistas e hostis em relação aos seus próximos, mistura que tende a favorecer candidatos de direita. Por outro lado, as pessoas, ressentidas com as medidas de distanciamento social e dos efeitos econômicos da pandemia, manifestam desejar mais liberdade, crescimento econômico e igualdade, o que tradicionalmente favorece opções de candidatos à esquerda. |
O Farol se debruça sobre os resultados de uma pesquisa feita pela instituição World Values Survey, que apresenta mudanças promovidas pela pandemia na população de vinte e quatro países, inclusive o Brasil. São tendências atitudinais e comportamentais que podem contribuir para a compreensão do eleitor que irá às urnas no próximo mês de outubro.
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Tendência 1. Pessoas mais medrosas e pessimistas
A pandemia fez com que as pessoas se tornassem mais medrosas, tristes e pessimistas. Aumentou também o grau de hostilidade. Não é coincidência, portanto, que venham se multiplicando histórias de ocorrências de violência gratuita, cujo impacto é realçado pela grande cobertura da mídia.
O impacto dessa tendência nas eleições vai depender da medida em que as pessoas atribuam culpa ao governo ou à própria pandemia. Usualmente, o governo sairia em desvantagem, mas Bolsonaro soube executar uma estratégia habilidosa de colocar a culpa na pandemia pelo fato de o governo não ter conseguido avançar mais.
Tendência 2. Foco na liberdade e em valores pós-materialistas
PublicidadeAs medidas de distanciamento social, os lockdowns, as restrições ao direito de ir e vir provocaram uma reação imediata. Confrontadas com a perda da liberdade em termos práticos, as pessoas imediatamente se ressentem e manifestam o desejo de recuperarem o status quo da situação anterior. Por outro lado, a importância atribuída a fatores materiais fica relativizada.
Aqui Jair Bolsonaro também pode colher alguns resultados, dada sua postura, desde o início, de combater o “fica em casa”. O presidente pode se promover como o defensor das liberdades, em contraponto a governadores e ao Supremo Tribunal Federal, que foram os seus algozes.
Tendência 3. Declínio do apoio ao patriarcado e à Lei e Ordem
Percebido também como reação às restrições coercivas de mobilidade, o apoio à lei e a ordem, em detrimento de mais direitos civis, caiu. Também decresceu o apoio ao patriarcado. Ambos são indicações de queda na aceitação e no suporte ao autoritarismo.
Nessa dimensão, o governo Jair Bolsonaro, que sinaliza para uma figura mais autoritária e pela defesa de valores conservadores, fica em desvantagem.
Tendência 4. Aumento do apoio à emancipação e à igualdade
Em consonância com a queda de adesão a valores materialistas, a pesquisa constatou um desejo por maior igualdade entre as pessoas. Da mesma forma, captou o desejo de que as pessoas tenham mais participação nas decisões governamentais e poder de tomar decisões com relação a questões locais.
Diante de uma situação que produz incerteza e paira completamente fora de sua esfera de possibilidade de controle – a pandemia – as pessoas manifestam a vontade de recuperarem parte do controle sobre seu destino comum.
Tendência 5. Aumento do foco em compartilhar e na comunidade
Os valores sociais estão em alta, talvez por conta da agressão que sofreram em virtude da pandemia. As pessoas manifestam o desejo de trabalharem em organizações focadas no desenvolvimento social e de se engajarem em práticas de compartilhamento de bens e recursos – solidariedade.
Tendência 6. Declínio do foco no hedonismo, na novidade e na beleza
A surpresa causada pela pandemia provocou um receio quanto a novidades. O conjunto de respostas à pergunta sobre o desejo de experimentarem algo novo caiu acentuadamente. Outra pergunta, que mede a dimensão do hedonismo (Meus objetivos mais importantes são me divertir e me alegrar), também teve queda pronunciada no grau de concordância.
A seriedade da ameaça representada pela pandemia trouxe um grau de sobriedade para as pessoas e também um aumento no medo de lidar com novidades.
Tendência 7. Aumento do foco na saúde, na vitalidade e nas precauções
Natural que diante de uma emergência na área da saúde, as pessoas aumentem suas preocupações com relação ao tema, bem como busquem adotar medidas preventivas. A pesquisa indica que esse sentimento vai para além dos resultados imediatos da pandemia, abrangendo também uma preocupação geral com a boa forma e a preservação da saúde como um todo.
Tendência 8. Aumento da preocupação ecológica, mas não como uma prioridade
A agressão à humanidade como um todo (pandemia), com a possibilidade, alarmante, de uma “extinção” (povoando o imaginário), transborda para outras áreas, como a preocupação com o planeta, a sustentabilidade e a ecologia. Contudo, o efeito transbordamento não é suficiente para que as pessoas considerem as preocupações ecológicas como uma prioridade.
Tendência 9. Apoio a um crescimento econômico inclusivo
A inflação (aqui captada ainda em função de quebras nas das cadeias de fornecimento provocadas pela pandemia – a pesquisa foi feita antes da Guerra da Ucrânia) já estava sendo percebida pelas pessoas e apontada como algo prioritário a ser combatido. As respostas também apontaram sentir a necessidade de um crescimento econômico mais inclusivo, com combate ao desemprego, à pobreza e com proteção dos consumidores.
Síntese
O impacto da pandemia na população em geral se apresenta com uma dupla face. Por um lado, as pessoas sentem-se mais frágeis, desamparadas, medrosas, pessimistas e hostis em relação aos seus próximos. Em termos eleitorais, usualmente essa mistura tende a favorecer candidatos que anunciem governos fortes, mais autoritários e ‘protetores’. As pessoas aceitam mais autoridade em detrimento da liberdade – esse fenômeno foi constatado, por exemplo, no pós-11 de setembro.
Por outro lado, as pessoas, ressentidas com as medidas de distanciamento social e dos efeitos econômicos da pandemia, manifestam desejar mais liberdade, crescimento econômico e igualdade, o que tradicionalmente favorece opções de candidatos à esquerda.
Termômetro
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
De acordo com a última pesquisa do Datafolha, Jair Bolsonaro tem uma taxa de rejeição de 61% junto ao eleitorado feminino. As mulheres, que são a maioria do eleitorado brasileiro, são o grande calo para o desempenho eleitoral do presidente. E, nesse sentido, as denúncias envolvendo o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães em nada ajudam Bolsonaro a reconquistar esse eleitorado. Até porque a rejeição acontece porque grande parte das eleitoras mulheres enxerga algumas dessas características no presidente: misoginia, preconceito, agressividade. | De qualquer modo, porém, é difícil medir se o episódio terá um efeito duradouro daqui até outubro. A cúpula da campanha de Bolsonaro conseguiu convencê-lo a afastar Guimarães, que foi substituído por uma mulher, Daniella Marques. Agora, irá se tentar um trabalho de intensificar a comunicação de ações feitas em favor das mulheres pelo governo, especialmente quanto ao combate à violência e feminicídio. Planeja-se um trabalho nesse sentido pela ex-ministra da Mulher, Damares Alves, pré-candidata ao Senado no DF pelo Republicanos, sobretudo junto à parcela feminina da comunidade evangélica. |
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