Escândalos, mais escândalos. Não deixam de ser pedagógicos, mesmo muito deles serem crimes de corrupção, hediondos, de lesa-pátria. Todavia acabam desnudando para a sociedade brasileira os reais interesses envolvidos, no vale tudo dos trambiques realizados no chamado “mundo dos negócios”.
Bem, vejamos o que ocorre no mundo dos negócios nucleares tupiniquim.
O país sofre o assédio das empresas que constroem e vendem equipamentos e acessórios para usinas nucleares, das empresas de construção civil que se locupletam ganhando bilhões nas obras, dos setores militares que sonham em possuir a bomba atômica, de acadêmicos que aceitam as migalhas para seus projetos de pesquisa, e satisfação do ego. E dos políticos que só pensam naquilo, nas suas próprias eleições, e assim aceitam os agrados oferecidos às suas campanhas.
Um lobby poderoso reunido na Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) é quem agrega os integrantes deste metauniverso de apoiadores das usinas nucleares no país.
Com as mudanças ocorridas desde o final do século passado, o setor elétrico- responsável pela garantia no fornecimento de energia elétrica- que até então era um serviço ofertado pelo Estado, se transformou em uma mera mercadoria, seguindo as leis do mercado. O processo de mercantilização resultou em tarifas escandalosas e serviços de baixa qualidade. Além dos riscos de abastecimento elétrico com crises originadas de erros e escolhas equivocadas na condução da política energética.
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Mas voltemos ao propósito do artigo que é destacar as irregularidades que os negócios nucleares e seus agentes se envolvem com frequência, com mentiras, falcatruas, transações caliginosas, desrespeito às leis vigentes, e ocultação da opinião pública e órgãos de fiscalização, de informações importantes. Tais posturas, comportamentos e ações só afetam e aumentam a desconfiança no discurso e na prática dos defensores da tecnologia nuclear para produzir eletricidade.
Um dos últimos acontecimentos que estão nas páginas policiais, envolvendo autoridades e agentes públicos, diz respeito ao almirante, ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, um dos líderes do lobby pró nuclear. Sua comitiva tentou entrar no país com joias femininas, e acessórios masculinos, no valor de 16,5 milhões de reais, sem a devida declaração à aduana brasileira. A faceta deste militar, agindo como um fora da lei, não conhecíamos. E imaginar que tal personagem comandou um Ministério que influenciou a tomada de decisões pró-nuclear!
O vazamento em Angra I, que acabou lançando água contaminada com material radioativo na Baía de Itaorna, em Angra dos Reis, em setembro de 2022, foi omitido pelas autoridades responsáveis, só vindo a público 6 meses depois do fato ocorrido. Evidências são claras de que houve tentativa de esconder o vazamento, deixando nítida a falta de compromisso e seriedade da Eletronuclear e de seus dirigentes com a transparência, em se tratando da segurança de pessoas e do meio ambiente. Este modus-operandi é bem conhecido na mineração de urânio em Caetité, na Bahia no que diz respeito a eventos radioativos, perigosos, mantidos em sigilo e, quando denunciados, sempre classificados como inofensivos.
Não foram os únicos escândalos envolvendo segmentos da área nuclear, pelo contrário. Lembramos o caso da operação da Polícia Federal-PF, denominada de “Radioatividade”. Segundo a PF nas obras de Angra 3, foi investigada a formação de cartel que definia previamente, entre as empresas construtoras, os valores propostos nas licitações. Nesta operação houve também o indiciamento do almirante ex-presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, acusado de receber propina.
Não se pode deixar de mencionar a criação em 1979, pelos militares, do Programa Nuclear Paralelo-PNP totalmente clandestino, sem fiscalização nacional e internacional, que nunca foi admitido publicamente. O objetivo era desenvolver a técnica de ultracentrifugação para o enriquecimento de urânio. Assim, a fabricação da bomba atômica tupiniquim seria possível. Os trabalhos permaneceram secretos, até que uma reportagem em 1986, do jornal Folha de São Paulo, revelou a existência de poços profundos na Serra do Cachimbo, no Pará, e no Raso da Catarina, reserva ecológica de Paulo Afonso, no semiárido baiano. Tudo indicando que seriam para testes com artefatos nucleares.
Em 1988 foi promulgada a atual Constituição, que proíbe o uso da energia nuclear para fins bélicos. Assim, o PNP passou a ser “legítimo” e controlado pela estatal Eletronuclear.
A retomada do Programa Nuclear Brasileiro, com maior ênfase, se deu em junho de 2007. Sem nenhuma discussão com a sociedade brasileira foi reativado pelo Conselho Nacional de Política Energética-CNPE, colegiado de aproximadamente uma dezena de participantes (grande maioria ministros de Estado), que assessoram a Presidência da República. Em recente modificação na composição do CNPE, já no governo atual, novos integrantes foram incorporados. Todavia, ainda carece de representação igualitária entre sociedade civil e representantes governamentais.
Estes são alguns dos fatos históricos que ajudam a entender os interesses que estão por trás da construção de novas usinas nucleares no país, evidenciando que nas questões nucleares prevalece a cultura do segredo, da falta de transparência, e de negócios escusos.
Assim, a pergunta que não quer calar é: Qual a credibilidade destes agentes públicos, dirigentes, empresários, políticos e acadêmicos que tentam convencer a sociedade brasileira de que as usinas nucleares são importantes e necessárias ao Brasil?
*Heitor Scalambrini Costa é doutor em Energética e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.
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