*Bruno Salles Pereira Ribeiro e **Marco Antonio Chies Martins
Ainda nos tenros anos de vigência da Constituição da República de 1988, iniciou-se a discussão sobre a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para o comando das respectivas casas. A discussão chegou recentemente ao Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.
Atualmente, a reeleição para o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é vedada na mesma legislatura. No entanto, há o entendimento de que, caso se inicie nova legislatura, não se aplica a vedação, podendo um parlamentar que se reelegeu nas urnas, se reeleger para novo mandato de presidência da casa.
Mencionada compreensão é extraída da leitura do art. 57, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que assim dispõe: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.
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Funciona da seguinte maneira. Caso o parlamentar tenha acabado de se eleger deputado federal, poderá ser presidente da Casa nos dois primeiros anos de seu mandato, sendo vedada a sua reeleição para este cargo nos dois últimos anos da legislatura (período de quatro anos compreendido entre uma eleição e outra, no caso da Câmara). No entanto, se o deputado exerceu o cargo de presidente nos dois últimos anos de seu mandato e for novamente eleito nas urnas, poderá novamente concorrer à presidência em seu próximo mandato, pois se trata de uma nova legislatura.
Este entendimento é fruto de uma interpretação de que a vedação imposta pelo texto constitucional acima reproduzido, só tem efeito dentro de uma mesma legislatura. Neste sentido, há previsão expressa no regimento interno da Câmara dos Deputados, sendo que o mesmo raciocínio vale para o cargo de presidente do Senado Federal.
Este é, precisamente, o caso do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se elegeu pela primeira vez ao cargo em 1º de fevereiro de 2017 e o exerce até hoje.
Toda essa dinâmica, porém, vem sendo bastante discutida nos últimos meses, principalmente, em razão das aventadas possibilidades de reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado.
Em sentido restritivo, o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6.524-DF, de 2020, pretende que o Supremo Tribunal Federal considere inconstitucional qualquer reeleição para o comando das Mesas do Congresso Nacional, seja nos dois primeiros ou nos dois últimos anos da legislatura, dando interpretação estrita ao texto constitucional.
O argumento é de que a Constituição teria sido clara quanto à intenção de vedar a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, com o objetivo de evitar a reeleição e a perpetuação de um indivíduo no poder, em homenagem ao princípio republicano. Vale lembrar que, quando editada, promulgada, a Constituição Federal vedava qualquer tipo de reeleição, inclusive ao cargo de presidente da República, estando em seu espírito a alternância de poder.
Em direção diametralmente oposta, alas do Congresso Nacional entendem ser possível a interpretação extensiva e sistemática da Constituição da República, de modo a permitir a reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara dentro da mesma legislatura. Segundo essa compreensão, a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº. 16 de 1997 – que autorizou a reeleição do Chefe do Poder Executivo – estaria modificada a estrutura original do sistema político e constitucional, havendo-se de formar nova leitura sistemática do seu texto, para se admitir a recondução, também das autoridades maiores do Poder Legislativo. Essa interpretação implicaria na possibilidade de recondução de Maia e Alcolumbre aos cargos que hoje ocupam.
Em síntese, hoje, afiguram-se três leituras distintas sobre o tema. A atual e já flexível, que mantém a interpretação de que a recondução é permitida entre legislaturas diferentes. A mais estrita, que quer vedar a reeleição em qualquer hipótese. E uma mais arrojada, que daria uma leitura diametralmente oposta ao texto expresso do art. 57, parágrafo 4º, com inspiração na Emenda Constitucional 16.
Já não fossem bastante complexos os temas, ainda se sobrepõe uma questão ainda mais importante: quem poderia dar a questão adequada sobre esse tema?
O constituinte originário foi claro ao atribuir privativamente ao Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de interpretar a Constituição Federal. No entanto, a matéria que ora se discute é eminentemente relativa à organização interna do Poder Legislativo, o que se chama, no linguajar jurídico de “interna corporis”. A intervenção da Suprema Corte em assuntos precípuos a outros poderes é sempre vista com delicadeza, eis que chega aos estertores da tripartição dos poderes e pode gerar indesejadas influências de uma esfera em outro.
Ministros do Supremo Tribunal Federal já externaram a preocupação de que influir no tema poderia desgastar ainda mais a já fragilizada relação entre o Judiciário e o Legislativo. O ministro Luiz Fux, em discurso por ocasião de sua posse na presidência do STF, manifestou-se no sentido de que, tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões. Essa também foi a posição adotada pela PGR ao emitir parecer na ADIN ajuizada pelo PTB. Na oportunidade, o Procurador-Geral Augusto Aras entendeu ser “inviável ao Supremo Tribunal Federal substituir-se aos parlamentares sufragados nas urnas na definição de questão afeta à organização e funcionamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, dotados de independência e autonomia constitucionais”.
Por outro lado, não se pode negar ao Supremo Tribunal Federal a sua prerrogativa de interpretação da Constituição, mormente quando as casa legislativas procuram dar interpretação diametralmente oposta ao sentido literal do texto constitucional.
No nosso entender, para vedar ou permitir expressamente a reeleição dos presidentes das Casas Parlamentares, nos termos acima delineados, é necessário que efetivamente se altere o texto constitucional, incumbência essa exclusiva do Poder Legislativo, por meio da edição e aprovação de emenda constitucional.
É certo que a aprovação de uma proposta de emenda constitucional, todavia, é tarefa bastante árdua e depende de excepcional articulação parlamentar, ainda mais quando relacionada a tema tamanha sensibilidade política. Vale lembrar que a aprovação de uma emenda constitucional depende da aprovação por 3/5 dos integrantes da Câmara dos Deputados e 3/5 dos integrantes do Senado Federal. Ou seja, depende da concordância de 308 deputados e 49 senadores.
É um caminho bastante difícil e o custo político é bastante alto.
Sem sombra de dúvidas seria mais fácil convencer seis ministros do Supremo Tribunal Federal a dar uma interpretação mais estrita ou mais modificativa ao texto constitucional, como ocorreu na temporária admissão da prisão após o julgamento em segunda instância; uma hipótese que colide frontalmente com os textos da Constituição da República e do Código de Processo Penal.
Certamente, seria um caminho mais fácil. Mas, ao mesmo tempo, certamente, não poderia haver caminho mais equivocado.
*Bruno Salles Pereira Ribeiro, advogado criminalista, mestre em direito pela USP e sócio do Cavalcanti, Sion e Salles Advogados.
**Marco Antonio Chies Martins é advogado criminalista, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Escola de Direito da FGV e advogado-associado de Cavalcanti, Sion e Salles Advogados.
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