Por Fausto Salvadori *
Do celular, saiu uma voz feminina debochada. “Nossa, que pena. O seu site, Ponte, que de jornalismo não tem nada, a não ser de sensacionalismo, tá fora do ar? Que pena! É tão triste… só que não. É o que você merece. Por ser esse ser repugnante. (…) Deixo só minha risada para você: rá, rá, rá. Tchau”, dizia o áudio, enviado por Whatsapp a um dos repórteres da Ponte Jornalismo na semana passada, quando o site, após três semanas de instabilidade, passou a saiu do ar durante horas seguidas.
A gente deu risada dessa ameaça, que parecia ter sido enviada pela dubladora da Paola Bracho de A usurpadora, mas não conseguiu achar a mesma graça ao ver a tela de “error 404” aparecendo por dias seguidos no lugar das histórias que queríamos contar. É muito frustrante, especialmente para quem faz um jornalismo como o da Ponte, que desde 2014 se dedica principalmente a denunciar episódios de violência de Estado, de execuções extrajudiciais a prisões de inocentes. São histórias fortes e urgentes demais, que precisamos contar. Contar como quem grita. “Vocês são o nosso grito”, me disse uma vez Dona Zilda, líder comunitária de Osasco, a respeito do trabalho da Ponte.
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As quedas no site nos impediram de gritar. É como ser amordaçado. A empresa que gerencia o armazenamento da página apontou indícios de que sofremos ataques de negação de serviço. Os que não gostam da Ponte Jornalismo, como a anônima imitadora de Paola Bracho que nos mandou aquela mensagem, comemoraram. E não faltam pessoas como ela. Os inimigos vêm de graça: é a selva de pedra, ela esmaga o jornalismo independente demais. O atual porta-voz da Polícia Militar do governo João Doria (PSDB), por exemplo, já acusou a Ponte de ser financiada pelo crime organizado. Somos atacados desde que surgimos. Não esperávamos algo diferente: sabemos que o jornalismo que escolhemos fazer incomoda gente poderosa.
Tão duros quanto os ataques virtuais ou verbais, porém, são os ataques do mundo real, que costumam vir na forma de processos judiciais, a maioria movida por policiais denunciados em nossas reportagens. Todas essas formas de ataque têm algo em comum: encarecem os custos de manter a Ponte de pé. Depois dos ataques da semana passada, decidimos pagar por um serviço regular de manutenção do site, que até então não tínhamos. Antes disso, no primeiro semestre, já havíamos decidido quadruplicar nosso gasto mensal com advogados por conta dos processos. E tudo isso dificulta a existência de um veículo como o nosso, que não tem fins lucrativos e precisa se manter e pagar seus profissionais contando com os recursos de leitores e de fundações. Para deixar tudo mais frustrante, a instabilidade do site levou a gente a adiar uma bela campanha de membros, planejada ao longo de seis meses, que ia ser lançada naquela semana.
A Ponte não foi o único alvo de ataques. Na mesma semana, a agência de checagem Lupa foi alvo de uma campanha nojenta de desinformação e homofobia, movida pelas redes de ódio da extrema-direita. A Agência Pública informa que também foi alvo de ataques de negação de serviço neste final de semana. Ao mesmo tempo, outro projeto de comunicadores que vem incomodando a extrema-direita, o Sleeping Giants Brasil, entrou na mira da Justiça e de um delegado da Polícia Federal muito próximo dos bolsonaristas. Coincidência ou não, isso ocorreu na semana em que o presidente Jair Bolsonaro voltou a lançar seus ataques verbais contra jornalistas, disparando ameaças de porrada e xingamentos de bundões e cala-bocas.
O roteiro de destruição da democracia seguido por Bolsonaro é bem manjado, pois segue o mesmo caminho de outros governantes eleitos que caminharam para o autoritarismo, na Hungria, Polônia, Índia, Rússia, Turquia, e que envolve o aparelhamento e esvaziamento progressivo das instituições. E o bolsonarismo tem se dado bem nisso. Hoje, procurador-geral da República e presidente do STJ se comportam como cãezinhos obedientes, sacudindo os focinhos saltitantes diante de um biscoitinho com as letras S, T e F, ao mesmo tempo em que o presidente da Câmara dos Deputados diz não ver motivos para impeachment e o presidente do Supremo faz questão de elogiar o ministro da Justiça mesmo quando reconhece que ele dá sinais de comandar uma polícia política. Parece fazer sentido que, neste momento, a extrema-direita que chegou ao poder em 2018, almejando nada menos que o domínio total, resolva se voltar contra uma das poucas instituições que — à parte Lacombes e Garcias e Constantinos e editoriais igualando torturadores e torturadas — ainda representa ameaça ao seu domínio: o jornalismo.
Seja lá como for, a quem vem ameaçando dar porrada, o que eu tenho a dizer é: podem vir! A gente não está sozinho. E, se as porradas que tomamos nesses dias serviu para alguma coisa, foi para reafirmar algo que a gente já sabia: quem luta pelos direitos humanos e contra as injustiças tem muita gente ao seu lado. Quando postamos nas rede sociais sobre as dificuldades que estávamos enfrentando, recebemos apoio de todos os lados. Jornalistas de todo tipo de veículo nos procuraram. O povo valente da Marco Zero me honrou com o convite para escrever este artigo. Gente do Direito e da Informática veio oferecer a mão. A Repórteres sem Fronteiras nos custeou a versão completa da ferramenta Cloudfare, que passou a proteger nosso site de ataques virtuais. E os leitores, ah, esse povo tão bacana que nos apoia! Em poucos dias, mais de 80 deles vieram contribuir com seus recursos, confiando que a gente merece o seu apoio.
Passada uma semana, nosso site, agora mais rápido do que nunca, pode enfim lançar a campanha em que vínhamos trabalhando. Agora, mais do que apoiadores, os parceiros da Ponte serão nossos membros, com acesso aos bastidores, trocando ideia sobre as pautas, vivendo e pensando as notícias junto com a gente. O nome deste projeto diz muito: Tamo Junto.
Sei que não está fácil. A cada dia, a vida, o Brasil dá um motivo diferente pra gente desanimar. Mas queria deixar aqui uma palavra de força. Não estamos sós. Temos uns aos outros. Somos muitos. E podemos demais.
* Diretor de redação e um dos fundadores da Ponte Jornalismo. Artigo publicado originalmente no site Marco Zero, do Recife.
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Todo mundo é santo né “jornalista”, aprenda primeiro as regras do bom jornalismo que vão de graça, e todos deveriam saber, principalmente os que frequentaram aulas desse curso: Jornalista não tem prato predileto, não tem cor favorita, não torce prá time nenhum, não tem religião nenhuma, e principalmente, é totalmente apartidário, se isso aí for seguido, os seus clientes terão confiabilidade no que foi dito ou escrito e vocês terão CREDIBILIDADE. Fora disso é só mimimi!