Por Luciana Capiberibe *
Chegamos a um ponto em que os nossos dados foram transformados em commodities, eles são considerados o novo petróleo da economia mundial. Possuir dados e processá-los de forma rápida e competente é ter poder. Muitos atribuem à uma gestão eficaz – e desonesta – de dados a eleição do presidente Trump nos EUA, ou o resultado do plebiscito favorável à saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit. Por conta disso, o Facebook virou alvo de investigação pelo parlamento britânico e chegou a ser considerado, por este último, uma ameaça à sociedade.
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Além de fiscalizar, qual a responsabilidade ou poder que governos ou a sociedade possuem sobre essa circulação de dados? Quando se fala em dados ou em internet na maioria dos países ocidentais, pensa-se em iniciativa privada, raramente em Estado e muito menos em nós, meros cidadãos mortais. O que se vê em profusão são indivíduos e governos que usam a internet para se promover ou difundir informações e assim acabam “doando” toda sorte de dados às empresas de tecnologia.
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Se por um lado as empresas de tecnologia conseguem transformar cidadãos e governos em fornecedores compulsivos de dados e transformar suas plataformas em ambientes profícuos de troca de informações e debates entre pessoas; por outro, governos ainda possuem muita dificuldade de se apropriar das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e utilizá-las como espaço de participação e debate com os cidadãos para melhorar obras e serviços. É sobre isso que o presente artigo vai discorrer.
Entre os anos de 2018 e 2019, além do trabalho como assessora de comunicação da Fundação João Mangabeira, dediquei-me a um projeto de mestrado em comunicação na Universidade de Brasília (UnB), procurei entender melhor o projeto Gestão Compartilhada, que utiliza as TICs, para aperfeiçoar ações do Estado tanto do ponto de vista da oferta de serviços, quanto da execução de obras e promove a participação cidadã e o controle social.
Trata-se da continuação de um processo que teve início no Amapá nos idos dos anos 1990, com a implantação na prefeitura da capital Macapá de outdoors com todos os valores recebidos e pagos por aquele ente público. A ideia do então prefeito João Capiberibe (PSB-AP) evoluiu e transformou-se num instrumento de ação pública de transparência, que redundou no primeiro portal da transparência do Brasil, lançado em 2002 no pequenino estado do Amapá, hoje tão maltratado pela covid-19, a peste, da qual voltarei a falar mais adiante.
Em 2003, o então ministro da Ciência e Tecnologia indicado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) encampou a ideia e criou o primeiro portal da transparência no governo federal, referente aquele ministério. Receitas e despesas de um órgão público federal foram expostas publicamente pela primeira vez no Brasil sem necessidade de senha e, em tempo real, por meio da internet. Naquele mesmo ano, ao assumir o Senado, João Capiberibe ingressou com projeto de lei que foi aprovado por aquela casa em 2004. Mais tarde, em 2009 a Câmara Federal, graças a articulação decisiva da deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), aprovou o projeto sem alteração.
Sancionado pelo presidente da República, tornou-se a Lei Complementar 131/2009, a Lei da Transparência, que obrigou a publicação, em tempo real na internet, de todos os gastos e receitas de todos os órgãos e de todas as esferas do poder público no Brasil. O saudoso governador socialista de Pernambuco Eduardo Campos e o governador do Espírito Santo Renato Casagrande (PSB-ES) tornaram-se referências na exposição dos gastos e receitas de seus governos por meio dos portais de transparência dos seus estados.
Mais recentemente, como senador reeleito para um segundo mandato, João Capiberibe apresentou o projeto de lei que institui a Gestão Compartilhada. Aprovado por unanimidade no Senado, seguiu para a Câmara, o projeto de lei 9617/2018 foi aprovado em três comissões daquela Casa e se encontra no plenário pronto para votação. A ideia do projeto de lei nasceu da experiência prática, que aconteceu no estado do Amapá.
Em 2015 foi formado o primeiro grupo de WhatsApp de Gestão Compartilhada denominado Grupo Igarapé Sustentável, com objetivo de fiscalizar e acompanhar a aplicação de R$ 13,5 milhões em recursos federais na comunidade do Igarapé da Fortaleza, uma região de rica beleza amazônica, que fica entre os municípios de Macapá e Santana, esse grupo teve representantes do governo federal e do governo estadual, além dos moradores da pequena e pacata localidade.
Nos anos seguintes, por iniciativa do mandato do Senador Capiberibe, foram criados mais grupos, entre eles os grupos Morada das Palmeiras e Conjunto Embrapa, de acompanhamento de obras de asfaltamento em Macapá, decorrentes de recursos de emendas alocados com aquele fim. Os resultados foram animadores, população conversando diretamente com poder público e com representantes de empresas, fiscalizando e ajudando na execução de obras. Em 2018 foi a vez da cidade de Conde, na Paraíba, governada pela prefeita socialista Márcia Lucena, aprovar a Lei n. 0989/2018, que institui a Gestão Compartilhada naquele município.
Com a pandemia do coronavírus aqueles que ficaram em isolamento foram obrigados a recorrer à internet para manter laços sociais e poder se informar, a internet passou a ser central para as nossas vidas. O ambiente da internet passou a abrigar o ambiente de trabalho, escolar, de lazer, etc. Muitos de nós trabalhamos e nos reunimos por meio de aplicativos de teleconferência, estudamos pela internet em sistema EAD, assistimos lives para alegrar nossos finais de semana e usamos aplicativos para conversar com familiares e amigos isolados como nós.
Embora muitos estejam vivendo assim, há aqueles que estão excluídos desse universo, isso nos leva a uma outra discussão sobre exclusão digital, ou seja, aqueles que não possuem acesso à internet, ou que possuem um acesso precário, que não permite o livre trânsito pela rede. É importante que o PSB abrace a ideia do acesso à internet como direito universal.
Com a crise sanitária, volumosos recursos públicos estão sendo usados por todas as esferas de poder no Brasil e é premente a necessidade de acompanhamento do que está sendo feito com esses recursos, aprovar a Lei da Gestão Compartilhada, que endereça um problema público atual e complexo: a distância entre cidadãos e seus representantes, é fundamental nesse momento.
A partir da observação do projeto no Amapá e em Conde foi possível constatar a presença de pressupostos democráticos fundamentais para a recuperação da credibilidade das instituições brasileiras: controle social, discussão e debate de opiniões, defesa do bem comum, deliberação e transparência estão lá presentes.
O PSB foi pioneiro na difusão da transparência como instrumento de ação pública no Brasil e agora tem nas mãos a possibilidade de ser pioneiro e precursor de uma inovação democrática digital de proporções extraordinárias considerando o momento atual. Só depende de nós.
* Luciana Capiberibe é mestra em comunicação pela UnB e assessora de comunicação da Fundação João Mangabeira
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