Rodrigo Navarro e Patrícia Marins *
Nos últimos anos, o sufixo 4.0 ganhou destaque como indicador da informatização dos meios de produção. Virou sinônimo de algo “moderno”, intensivo no uso da tecnologia. O conceito derivou para outras áreas, como a de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), que desde sempre inclui a legítima defesa de interesses de empresas, corporações e grupos socais e não pode nem deve ser confundida com ilegalidades ou ilicitudes.
A atividade de RIG pode ser definida como um somatório de três componentes: a rede de contatos, a experiência acumulada e o conhecimento específico sobre a organização cujo interesse é defendido e o contexto em que ela se insere. Essa área vem ganhando cada vez mais importância estratégica nas organizações, com ou sem fins lucrativos.
O ambiente de negócios e as demandas das comunidades, onde a atividade de RIG primordialmente se desenvolve, vêm sofrendo grandes modificações, seja pelo aumento dos canais de pressão, pelos grupos de pessoas físicas e jurídicas que ganham voz e vez na arena social ou pela iminente regulamentação da atividade no Congresso Nacional.
Leia também
Esse contexto, em constante transformação, exige atenção a questões ESG (Meio Ambiente, Social e Governança, na tradução do acrônimo inglês), que abarcam os diversos gêneros e raças, condições físicas e mentais de pessoas, reputações de indivíduos, empesas e sociedades. As métricas de sucesso mudam velozmente.
À receita, faturamento, lucro, remuneração, volume de investimento somam-se satisfação dos trabalhadores, cuidado com o ambiente e a comunidade. A forma como uma marca é percebida passa a cada dia mais por ativos intangíveis de valor. Tudo somado, resulta em reputação de pessoas, empresas e marcas.
O RIG, fundamental para a construção da reputação e das redes de relacionamentos, há muito deixou de ser uma opção para ser o centro das relações socioambientais e empresariais. Um imenso desafio e uma oportunidade igualmente grande.
Pesquisa recente com CEOs de todo o mundo (McKinsey, 2020) mostrou que aproximadamente 60% deles têm o engajamento externo como uma de suas três maiores prioridades. No entanto, apenas 7% conseguem alinhar regularmente os interesses de seus interlocutores externos (stakeholders) com os de suas organizações. Os números dão a dimensão do desafio.
Quem está à frente das ações de RIG deve refletir profundamente sobre as mudanças permanentes: adaptação à nova realidade de reuniões virtuais, que permitem uma gama maior de interlocutores e, portanto, de stakeholders; um ambiente mais complexo, a exigir representatividade de gênero, étnica ou etária; a influência crescente das redes sociais que exigem precisão dos posicionamentos e agilidade nas respostas.
Some-se a tudo isso, um mundo onde o sigilo é artigo cada vez mais raro. Tudo é iminentemente público. Praticamente não há mais espaço para segredos e discursos não condizentes com as práticas. Nesse cenário, as organizações precisam atuar de forma transversal, com a área de RIG subindo na hierarquia corporativa, chegando muitas vezes ao C-Level e contratando profissionais e empresas mais experientes e qualificados.
Cada etapa de atuação passa por revisão constante, e áreas coirmãs do RIG como Jurídico, Compliance, Comunicação, Mídia e Responsabilidade Social devem atuar de forma cada vez mais integrada. Do profissional RIG 4.0 exige-se postura cada vez mais proativa, grande capacidade de escuta, análise e diagnóstico para lidar com o excesso de informações e o debate permanente e cada vez mais difuso proporcionado pelas redes sociais.
Por isso mesmo, a utilização por profissionais de RIG de múltiplos canais e da tecnologia são fundamentais para auxiliar na tomada de decisões e na construção e na manutenção do relacionamento e da reputação, o maior ativo de uma marca, de uma empresa ou corporação.
É preciso saber liderar, conquistar, sensibilizar e, por fim, engajar pessoas e grupos com voz cada vez mais alta e interesses cada vez mais diversos, ampliando alianças e conexões com esses públicos estratégicos. É fundamental estar sempre disposto a aprender. No RIG 4.0 não cabem as estrelas solitárias, não há espaço para quem sabe tudo, mas sempre terá vaga para as equipes devidamente capacitadas e o compartilhamento do aprendizado.
* Rodrigo Navarro é doutor em Administração pela Rennes School of Business. Presidente da Abramat (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção). Coordenador do MBA em Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
* Patrícia Marins é sócia-fundadora da Oficina Consultoria de Reputação e Gestão de Relacionamento, sócia do Grupo In Press, Diretora do Setor Público da Abracom, Co-fundadora do WOB (Women on Board), Conselheira do MeToo Brasil, Conselheira Consultiva do Congresso em Foco, Conselheira do Movimento Expansão e Embaixadora do SheInc.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário