Antonio Bara Bresolin*
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou até 31 de dezembro deste ano o prazo para estados e municípios aplicarem os recursos previstos na Lei de Conectividade nas Escolas. No fim do ano passado, quando liberada por decreto presidencial, a verba teria de ser acionada em apenas 30 dias, prazo enxuto demais para operacionalizar o pedido de acesso. De fato, essa ação é complexa e requer não somente tempo, mas planejamento e articulação. Dias Toffoli registrou que “a viabilidade da política pública pode ser obstaculizada pela dificuldade do cumprimento do prazo para aplicação dos recursos”.
A decisão do Supremo, de 25 de abril, é um importante marco para um cenário de vai e vem que a educação brasileira vivencia desde meados de 2020 para a liberação de 3,5 bilhões de reais a fim de garantir acesso à internet para professores e alunos da educação básica da rede pública. Trata-se de um investimento necessário. Como revela a pesquisa TIC Educação 2020 (Edição Covid-19 – Metodologia Adaptada), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), só 28% das instituições escolares urbanas tinham ambiente ou plataforma virtual de aprendizagem.
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A linha do tempo da concessão e da liberação dos 3,5 bilhões de reais, proveniente do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), tem velocidade inversamente proporcional ao curto espaço de tempo decretado inicialmente para seu uso pelo Presidente da República.
Tudo começou em junho de 2020, no auge da pandemia de covid-19. O deputado Idilvan Alencar (PDT/CE) apresentou o Projeto de Lei (PL) 3477/2020, com objetivo central de lidar com os efeitos imediatos da pandemia na educação e garantir internet e equipamentos para os mais vulneráveis.
Em fevereiro de 2021, após a tramitação no Legislativo, a Presidência da República fez o que pôde para não liberar o dinheiro: vetou o PL 3477/2020 e editou a Medida Provisória (MP) 1060/2021, que suspendia o prazo do repasse. Após vencidos os 90 dias, a MP perdeu sua eficácia e o governo também perdeu sua judicialização no STF. Então, foi levado a promulgar a Lei 14.172 em junho de 2021, que reconhecia a necessidade da União de fazer os repasses aos Estados, DF e Municípios.
Porém, foi só em dezembro de 2021 que a Presidência editou a MP 1088/2021, liberando crédito extraordinário para se fazer cumprir e disponibilizar os 3,5 bilhões de reais previstos. E o país teve de esperar até 28 de janeiro de 2022 para que o Decreto fosse publicado, passo final para a liberação da verba. A essa altura, muitos estudantes já tinham retomado as aulas presenciais.
Diante desse percurso tortuoso, marcado agora por uma decisão do STF que estabeleceu um prazo mais factível para gestores municipais e estaduais se organizarem e agirem, é imperativo refletirmos a respeito do que a educação brasileira realmente carece para que o uso das tecnologias na educação ocorra de modo equitativo, a favor do ensino e da aprendizagem.
Recursos financeiros são fundamentais, mas não bastam. O relatório Tecnologias para uma educação com equidade deixa claro que ações isoladas (como a compra de laptops ou garantia de internet) têm alcance limitado como política pública. Realizado pelo Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e) em parceria com o Todos Pela Educação e o Transformative Learning Technology Laboratory, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, o estudo mostra a escola como organismo complexo. Ela demanda estratégias de naturezas diferentes para fazer dar certo; e ter um plano robusto de curto, de médio e de longo prazo, superando desafios recorrentes e deixando para trás ações simplistas.
Os autores do relatório destacam outros três aspectos que inspiram cuidados, além da garantia de recursos e da infraestrutura.
O primeiro é a criação de uma estratégia nacional para tecnologia na educação, que trace os caminhos para o uso de forma sistematizada, integrada, segura e equitativa, como fizeram Estados Unidos, Inglaterra, Finlândia, Peru e Uruguai. No Brasil, a Política de Inovação Educação Conectada do Ministério da Educação (PIEC) existe desde julho de 2021 para difundir a universalização do acesso à internet em alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na Educação Básica. O relatório do D3e sugere ainda, a criação de um fórum com representatividade nacional que priorize os interesses da educação pública, uma escola nacional e um laboratório de práticas que prepare gestores para a compreensão de tecnologias educacionais.
O segundo aspecto tem a ver com a possibilidade dos professores estudarem, trocarem experiências e implementarem projetos. Para isso, precisam receber formação e apoio para explorar ao máximo as tecnologias
A proteção de dados da comunidade escolar é o terceiro aspecto de atenção. Redes de ensino têm de garantir a privacidade das informações coletadas e armazenadas durante as atividades, cuidando desse aspecto ao firmar contratos de softwares e de pacotes de conectividade. E o poder de auditoria e inspeção deve ser resguardado contratualmente.
Escolas e redes também precisam fazer bom uso das informações, inclusive para conhecer o perfil do alunado. É possível saber quanto tempo os estudantes ficam conectados, quais suas dificuldades, os conteúdos mais acessados e as ferramentas mais eficazes Esses são usos potenciais e intencionais a favor dos processos de ensino e aprendizagem. Os dados também devem apoiar o aprimoramento de processos, a avaliação de resultados e a mensuração de vínculo dos estudantes com as atividades propostas.
São muitas possibilidades e desafios ao traçar políticas públicas para levar tecnologias e conectividade à educação. Considerá-los ao investir recursos financeiros para garantir infraestrutura é determinante para seguir avançando sem deixar nenhum estudante para trás.
*Antonio Bara Bresolin é mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e diretor executivo do D3e.
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