Giovanni Mockus *
São poucos, quase raros, os dias em que o presidente Jair Bolsonaro não surpreende o mundo e deixa perplexo qualquer cidadão imbuído de pensamento crítico, seja este de direita, esquerda ou de qualquer outro campo político-ideológico.
>Senador vai ajustar PL do saneamento para atender municípios pobres
Os recorrente ataques à imprensa livre, às instituições democráticas e aos pilares republicanos que sustentam nossa Nação reforçam um repertório autoritário e nocivo a qualquer concepção de futuro balizado em direitos e liberdades individuais e coletivas. Ataques esses que partem, de forma surpreendente, diretamente do Palácio do Planalto, do Gabinete do Ódio. Linhas foram cruzadas e limites rompidos. Limites que nunca haviam sido sequer aventados de vencimento pelos atos mais autoritários e projetos de poder de governos anteriores. A democracia sempre foi um limite muito bem estabelecido para todos, desde 1988.
Leia também
Se antes convivemos com a retórica da “ameaça comunista”, agora essa fantasia cede espaço para os desejos concretos de um Estado Autoritário. E não há o menor exagero em afirmar isso, principalmente depois da presença pessoal do presidente da República em um ato que abertamente clamava pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Lula, Dilma e Fernando Henrique Cardoso nunca estiveram em uma manifestação que tinha como pauta principal a implementação de medidas autoritárias e ditatoriais no Brasil. Bolsonaro não só esteve, como também participou e endossou tais atos.
Está claro que Bolsonaro quer forçar uma quebra institucional. Mas como um covarde que é, quer que alguém dê esse passo. Quer que o Congresso abra o processo de impeachment. Quer que o Supremo limite seu poder de atuação. Quer que alguém jogue gasolina no pavio que ele próprio acendeu para, aí sim, dar o golpe que tanto ensaiou em sua cabeça e então justificar dizendo “começaram primeiro”.
PublicidadeNos corredores do Congresso Nacional, a reflexão é sobre qual a ferramenta constitucional mais adequada para enfrentar essa crise. A crise gerada e alimentada cotidianamente pela própria Presidência da República. Que coloca na berlinda o Brasil pós-redemocratização e ameaça jogar a Nação de volta a um período de autoritarismo, onde prevalecia a cassação de direitos civis e políticos, prisões ilegais e tortura como forma de dominar a narrativa e manter o poder sobre o Estado.
Será que temos ferramentas constitucionais para enfrentar essa crise? Será que a nossa tão jovem democracia se sustenta após tantos ataques vindo de dentro? Os pesos e contrapesos constitucionais protegem o Estado de forma eficaz quando os ataque vêm de fora para dentro, mas não de dentro para fora. Não quando a narrativa é construída e reforçada sob alicerces de notícias falsas. Não quando o ódio e a cegueira coletiva tomam o lugar, de forma tão estrutural, do raciocínio lógico e do pensamento crítico. Consequência das décadas de sucateamento da nossa educação, com certeza, mas também de um plano que está sendo muito bem executado para a manutenção do poder. Poder pelo poder ao custo da liberdade e da democracia.
Precisamos parar de tratar Bolsonaro e seu clã como um grupo de ignorantes, desprovidos de racionalidade. Pode até ser – e não podemos descartar isso – que no começo era mesmo um “tiozão do pavê” que se manteve na Câmara dos Deputados por 30 anos, sustentado por chavões e pela intimidação eleitoral da milícia carioca. Entretanto, a partir do momento em que se alcança o Palácio do Planalto, o cargo mais alto da República, os interesses mudam. As motivações ganham horizonte e perspectiva. As peças passam a fazer parte de um plano mais amplo. E é isso que Jair Bolsonaro é: uma peça, um peão. Mas um peão que sabe muito bem o que está fazendo. Que sabe muito bem a serviço do que está, e que está sendo orientado. Cada aparição em público, pronunciamento nas redes sociais, e notícias falsas disparada são pensadas e repensadas estrategicamente.
Não há a intenção aqui de se formular mais uma teoria da conspiração. Só que não podemos mais ignorar o que está acontecendo com o nosso país. Não podemos mais relativizar e esticar os limites da democracia a cada passo autoritário que Bolsonaro dá. O objetivo é uma quebra do regime democrático. Isso está claro, da mesma forma como está claro que Bolsonaro quer que alguém faça isso por ele. A reflexão posta: temos ferramentas Constitucionais para enfrentar essa ameaça democrática sem explodir a República durante processo?
* Giovanni Mockus é coordenador legislativo da Rede Sustentabilidade na Câmara de Deputados, além de porta-voz estadual da Rede SP e líder Raps. Para mais opiniões nas redes sociais, ver @giovannimockus.