Mesmo as sociedades com tradições democráticas antigas, com instituições fortes e consolidadas, se isentam de eventuais decepções com seus eleitos. Sequer estão imunes ao ceticismo diante do próprio funcionamento do sistema político eleitoral. Entretanto, ao contrário dos labirínticos regimes autoritários, o frequente e livre exercício do voto popular direto, marca das democracias genuínas, permite que as eventuais frustrações sejam corrigidas e continuamente aperfeiçoadas pelo voto.
Talvez simplista e até óbvia, essa defesa do regime democrático tem sido necessária em face desses esquisitos tempos que vivemos. Não porque a democracia promova sempre um ambiente de boa euforia coletiva, de entusiasmado apoio popular ou de êxito permanente e contínuo da sociedade, mas, sim, porque ela é o regime mais capaz de nos proteger das ditaduras, do messianismo, da destruição do estado de direitos básicos e das liberdades da sociedade e da própria corrupção.
É comum as democracias viverem ciclos de poder, mais ou menos eficientes no atendimento às maiores necessidades populares e mais ou menos estimuladores da participação popular nas decisões de estado e, eventualmente, sendo bem ou mal avaliados pela opinião pública. Todavia, só temos democracia consolidada quando as eventuais expectativas frustradas, as imperfeições nas respostas aos anseios populares ou os eventuais erros de conduta pública são corrigidas pela própria alternância do poder.
Do mesmo modo é do voto popular o poder de premiar os bons comportamentos e as imagens públicas, as boas práticas administrativas e as medidas econômicas e sociais que promovam prosperidade e satisfação individual e coletiva.
Lamentavelmente o momento que vivemos demanda atenção, consciência crítica e muita responsabilidade de todos. O fantasma adormecido do fascismo, caracterizado pela intolerância à própria democracia, pelo ódio como linguagem da política e por preconceitos de toda sorte, tem circulado cada vez mais entre nós. Tudo isso muito bem e subliminarmente fundamentado num sofisma liberal que tem estado presente nos debates políticos nacionais e mesmo internacionais e que tem uma deliberada e perigosa intenção de criticar o estado de forma genérica para desmoralizar a política como instrumento essencial e garantidor do ambiente democrático.
Esse sofisma vem sempre associado à uma premissa falsa que gera entre alguns uma interpretação manipulada e maléfica ao melhor interesse público.
Genericamente se diz que como o estado e a política são corruptos e ineficientes por definição, o melhor remédio seria, então, simplesmente “reduzir” o estado e limitar a ação política. Mas como consequência, logo em seguida, teremos um estado com menor capacidade de influência para promover melhorias na vida das pessoas e que passa a ser, justamente, criticado pela insuficiência do alcance de suas medidas.
Menos estado, menos ação pública, implicam na menor capacidade de o estado promover mudanças na vida das pessoas. E, assim, consequentemente, mais críticas em relação à eficiência do estado em responder às suas obrigações constitucionais, mais lobbies por menos estado e, de novo, por fim, de fato, menos estado ainda. Um ciclo vicioso que se retroalimenta e cuja origem é a semente de viés liberal tosco: não permitir que o estado, o exercício da política e a cidadania engajada sejam capazes de combater toda uma cadeia de privilégios e poder que fazem do Brasil, historicamente, uma das nações mais desiguais do mundo.
A PEC do teto dos gastos públicos, aliada aos absurdamente baixos investimentos públicos do atual governo brasileiro, as privatizações ideológicas, mal planejadas e com preços de bananas, a equivocada reforma da previdência, a ausência de uma política industrial e o esvaziamento do papel desenvolvimentista dos bancos nacionais são apenas alguns exemplos bem recentes dessa agenda que nada tem de inocente. É tudo de caso pensado, como simplesmente define a sabedoria popular. É uma pauta que tem promovido, diretamente, a concentração das riquezas nacionais, as desigualdades de todo tipo e a estagnação econômica.
Mas o que é pior nessa escolha cínica que aponta o Estado e a política como os culpados preferenciais por toda a crise nacional, é que ela coloca em xeque a necessidade e a eficiência social de uma democracia e da própria participação popular no poder.
O surgimento orgulhoso dessa nova ultradireita, de viés radical e populista, questionadora do próprio sistema político eleitoral e que flerta, desavergonhadamente, com o passado autoritarista, é a consequência radical desse ataque liberal irresponsável ao estado democrático de direito e à política. Provoca atitudes que variam da completa apatia em defesa dos princípios democráticos às ações ofensivas às instituições democráticas. O foco é sempre extinguir as instituições de participação popular. Estão no alvo valores duramente conquistados, como as liberdades, os direitos e uma avançada Constituição.
Não há fórmula mágica para o estado de direito. A segurança da nossa consolidação democrática depende das escolhas de cada cidadão. A cada dia é necessário ressignificar a política como base para nossa convivência coletiva. Nosso alvo tem que ser a renovação do papel do estado nacional, para que se torne mais líder, coordenador e facilitador das ações e relações entre o governo, a sociedade e o mercado.
É necessário exercer uma cidadania mais ativa, participativa, crítica e engajada, em defesa de uma agenda econômica mais inclusiva e sensível às múltiplas facetas do Brasil. Nossa premissa é de que a democracia é o alicerce e não uma mera decoração dessa casa onde vivem e se relacionam os cidadãos, a economia e o estado, equilibrador das relações.
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