Assusta e surpreende a indolência com que os poderes Legislativo e Judiciário tratam o “fenômeno Bolsonaro”, praticamente avalizando sua pretensão de concorrer à reeleição, como se nada estivesse acontecendo e ele detivesse plenas condições de se apresentar para a disputa. Vale lembrar a origem etimológica da palavra “candidato”. Como ensina a professora e jornalista Dad Squarisi, “a palavra candidato tem história curiosa. Ela nasceu do latim candidatus, filhote do adjetivo candidus, que quer dizer cândido, alvo, puro, imaculado. Explica-se: os romanos de olho em cargo eletivo sempre vestiam roupas brancas. A cor simboliza pureza, candura”. Seria Bolsonaro uma pessoa pura, imaculada, em condições de envergar o traje branco (tão caro ao querido amigo Thiago de Mello, que nos deixou na semana passada), e, portanto, apto a ser um candidato numa eleição?
Neste exato momento, a nove meses do pleito, avolumam-se às pilhas nos tribunais e nas prateleiras da Câmara e do Senado denúncias baseadas em provas contundentes e nada, absolutamente nada tem sido feito para travar a possibilidade – apavorante – de Bolsonaro disputar e, eventualmente, até garantir nas urnas mais quatro anos de desgoverno. E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
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Para não ir longe, Bolsonaro acaba de cometer mais um crime ao fazer acusação leviana, descabida e que gera consequências nefastas a um dos três poderes da república, ao desancar dois ministros do STF afirmando ao site Gazeta Brasil, que o apoia, que os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso “têm candidato, os dois, nós sabemos, são defensores do Lula, querem o Lula presidente”. Afora todos os crimes de que é acusado, e são tantos que a simples menção a alguns deles já ocuparia todo o espaço desta coluna, Bolsonaro não passa sequer um dia sem cometer desmandos, estimular a destruição dos pilares da democracia e contribuir abertamente para o aumento do número em si já assustador de mortos pela pandemia. A CPI apontou dezenas de denúncias que foram parar no Tribunal Internacional de Haia, e que vão desde a omissão na aquisição de vacinas, passando pelo negacionismo descarado à eficácia da vacinação. Sem falar nos atos contrários à vacinação, ao uso de máscaras e ao estímulo que sempre deu pelo próprio exemplo às aglomerações. E o que aconteceu até agora? Nada. E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
Está bem nítida na memória do país a tentativa de golpe empreendida por ele no dia 7 de setembro do ano passado, bem como aquele desfile ridículo dos tanques de guerra sucateados em frente ao Palácio do Planalto. Nítidas também estão na memória as imagens de Bolsonaro discursando em atos antidemocráticos que causaram processos contra bolsonaristas como o blogueiro Allan dos Santos, para ficar num único exemplo. Mas contra o próprio Bolsonaro… nada. É como se tivesse sido criado um escudo invisível de proteção que o torna infenso à ação punitiva. Coisa alguma o atinge. Nem mesmo quando se auto-incrimina. E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
Ainda outro dia, irresponsavelmente, Bolsonaro avançou sobre a Anvisa, órgão sobre o qual despejou sérias insinuações de estar a serviço de interesses alheios aos da defesa da saúde da população, sua missão primordial. Mandou descobrir os nomes dos técnicos que se manifestaram favoravelmente à vacinação infantil, para expô-los à execração pública. Não o fez diretamente, mas, sim, por meio de uma deputada sua cupincha, que divulgou a lista com os nomes nas redes sociais e os técnicos começaram a receber toda sorte de ameaças, inclusive de morte. Ela está sendo processada. Já com ele não acontece…nada. E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
Por não provocarem qualquer arranhão na imagem do capitão-presidente, nunca mais se viram nas ruas atos do tipo “Fora Bolsonaro”. Parece que os partidos de oposição, as organizações sindicais e estudantis perceberam a inocuidade do esforço, em plena pandemia, para arregimentar público e ocupar as ruas. Porque o efeito desses atos, até aqui, foi… nenhum! Os poderes que têm por missão zelar pela democracia e seus pilares simplesmente emudeceram. O fisiológico Centrão tornou-se sinônimo de Poder legislativo. Neste momento já nem sei mais quantos são os pedidos de impeachment empilhados na porta do presidente da Câmara, o bolsonarista Artur Lyra. A leniência com as denúncias, os crimes e os desmandos de Bolsonaro converteram o Judiciário num órgão amorfo, incapaz de agir provocado – e muito menos de ofício – para pôr algum termo à situação. E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
A fome e a miséria aumentam a olhos vistos. As ruas estão tomadas por mendigos que até outro dia tinham algum ganha-pão, mesmo na informalidade. Enquanto isso avolumam-se as denúncias de recebimento de centenas de milhares de reais por mês a um grupo de áulicos do governo, inclusive de membros das forças armadas. O país, numa expressão d’antanho, literalmente está à matroca. Mas não acontece nada, apesar do nojo e da irritação contra o pior dirigente que o país tem desde que Cabral molhou as botas naquela praia de Porto Seguro.
E o tempo vai passando. E a eleição se aproximando…
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