A edição nº 21 da Revista Congresso em Foco traz uma matéria sobre o uso que alguns deputados federais fizeram e fazem com a verba indenizatória, dinheiro público para o pagamento de sua alimentação.
A matéria revela hábitos pouco convencionais adotados por alguns deputados na hora de pagar as contas em restaurantes e que, sob minha ótica, sugere a prática de bancar despesas de terceiros, o que é proibido pelas regras internas da Câmara Federal.
Com limitação de espaço, a revista não pode detalhar alguns dos estranhos casos encontrados pela Operação Política Supervisionada (OPS). Mas aqui será possível avaliar melhor a maneira questionável como alguns representantes do povo utilizam a verba a que têm direito.
Jornalisticamente, este não é um texto gostoso de ser lido, pois você verá que mais se parece com um relatório. Mas a ideia não é oferecer uma leitura prazerosa, mas informar pontualmente alguns detalhes das peripécias gastronômicas já encontradas.
Por se tratar de uma quantidade considerável de dados levantados pela OPS, apresentar todo o conteúdo de uma só vez seria inviável. Em decorrência disto, no texto abaixo serão apresentados casos de apenas dois deputados e os demais serão publicados nos próximos dias.
Vamos começar com dois calouros na Câmara Federal.
O deputado Luiz Carlos Ramos (PTN-RJ), conhecido como o “homem do chapéu”, embarcou nesta casa de opulência levando consigo pouco mais de 33 mil votos. Em seu primeiro ano de mandato e contrastando com a simplicidade que lhe é peculiar, alguns de seus gastos revelam práticas pouco usuais infelizmente comuns entre os membros da bancada dos comilões.
O restaurante brasiliense Macis Gourmet oferece, a preços de fevereiro de 2016, refeições durante o dia por R$ 52,90 e à noite, R$ 45,90 o quilo. O deputado foi ressarcido com a verba indenizatória em 34 notas fiscais emitidas por este estabelecimento, sendo que 23 delas possuem valores superiores a R$ 70,00, o equivalente a 1,3 quilos de comida. Mesmo um prato bem servido acompanhado de bebidas não alcoólicas (bebidas alcoólicas não podem ser pagas com o dinheiro público da verba indenizatória), dificilmente chegaríamos a R$ 65,00. Há despesas que ultrapassam R$ 100,00.
Talvez por um descuido de seu gabinete, em uma das notas é possível ver, na descrição, despesas de três pessoas que foram reembolsadas ao deputado.
Na Galeteria Beira Lago, a mais procurada pelos deputados depois do restaurante Senac localizado dentro da Câmara, o parlamentar apresentou dez notas para reembolso. Oito delas com valores superiores a R$ 110,00, valor máximo que pode ser gasto naquele restaurante, se considerarmos o prato mais caro (filé de surubim – serve duas pessoas), uma jarra de suco e uma sobremesa. Entretanto, vale ressaltar que o carro chefe da galeteria é mesmo o rodízio de galeto por R$ 49,90 por pessoa. Uma das notas ultrapassa os R$ 200,00.
No estado do Rio, a Adega Barril da Brasil também recebeu o deputado. Mesmo cobrando R$ 69,90 por quilo de comida, o nobre deputado foi ressarcido em notas que chegam a R$ 248,77.
Ainda no Rio, mas em outra localidade, a Tasca do Gugu tem como prato mais caro a picanha que serve três pessoas por R$ 127,80. Há ressarcimentos que beiram R$ 170,00.
Outro calouro na Câmara Federal e não menos comilão, Marinaldo Rosendo (PSB-PE) também é frequentador assíduo daGaleteria Beira Lago. Suas despesas, prontamente ressarcidas pela casa, variam de R$ 176,00 a R$ 286,00. Como já visto, o carro-chefe da casa é o rodízio de galeto por R$ 49,90 por pessoa.
Outro restaurante brasiliense, o tradicional Xique-Xique, serve a Carne de Sol com acompanhamentos por R$ 108,00, o suficiente para três pessoas famintas. Nosso parlamentar pernambucano chegou a apresentar uma nota de R$ 240,00.
Nem mesmo o restaurante do Senac, o mais frequentado pelos deputados devido sua localização estratégica (10º andar do Anexo IV da Câmara Federal), o parlamentar não perdoou os bolsos dos contribuintes. Três cupons fiscais apresentados para fins de ressarcimento apontam despesas de três pessoas.
No Traíra sem Espinha localizado na Vila Planalto, vizinha da Praça dos Três Poderes, o prato mais cobiçado e caro do lugar é justamente a traíra sem espinha. O prato serve tranquilamente duas pessoas ao custo de R$ 87,90. Mas, para não deixar o costume de lado, notas de R$ 120,00 a R$ 204,00 foram generosamente restituídas ao parlamentar com o dinheiro público da CEAP.
A prática de pagar as despesas alimentícias de terceiros fica também evidente neste cupom fiscal emitido pelo restaurante Golden Gate localizado no aeroporto de Recife. O deputado foi ressarcido em setembro de 2015 no valor total da nota, R$ 194,11. Na descrição, três peixes Loiseau acompanhados de salada, risoto, sucos, água e refrigerantes.
O que os deputados dizem
O deputado Luiz Carlos Ramos não se pronunciou, apesar dos inúmeros telefonemas e e-mails enviados pela coluna. Já o deputado Marinaldo Rosendo disse não ver irregularidade em seus ressarcimentos.
E, agora? O que fazer?
A OPS já denunciou no Ministério Público Federal, o líder da bancada do Comilões, deputado Rogério Peninha citado em matéria neste site e na edição Nº 21 da Revista Congresso em Foco. Ele é apenas o primeiro de vários que serão convidados a se explicarem na justiça sobre as estranhas despesas com alimentação.
As denúncias continuarão sendo encaminhadas ao Ministério Público pela Operação Política Supervisionada, por acreditarmos que regras existem para serem seguidas e as lei, cumpridas. Os valores podem ser ínfimos perto dos escândalos político-financeiros que nos são arremessados na cara diariamente. Mas, se existe um grupo de brasileiros que deveria dar exemplos de honestidade, honra e servidão, é a classe política, ainda que estejamos a anos-luz disso. Se os políticos querem ser respeitados, que respeitem os votos recebidos e a confiança neles depositada.
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