Malu Ribeiro e Gustavo Veronesi *
Os rios da Mata Atlântica são tesouros naturais que desempenham um papel fundamental na vida de inúmeras espécies da flora e da fauna, na economia e no bem-estar de milhões de brasileiros. No entanto, esses corpos d’água seguem enfrentando sérios desafios.
O projeto Observando os Rios, que celebra 30 anos em 2023, se consolidou como um dos mais duradouros esforços de mobilização, ciência cidadã e educação ambiental no Brasil. Atualmente, envolve mais de 2.700 voluntários em 250 grupos de monitoramento, abrangendo 125 municípios e 232 rios em áreas de Mata Atlântica em todo o país.
Este ano, o monitoramento do Tietê, maior rio de São Paulo, que corta o estado de leste a oeste, revelou que a mancha de poluição cresceu: a água de qualidade imprópria para usos múltiplos se estende hoje por 160 quilômetros. É um aumento de 31% em relação a 2022, quando a mancha atingiu 122 quilômetros.
Embora os resultados de longo prazo apontem que os investimentos em saneamento básico do Projeto de Despoluição do Tietê, iniciados nos anos 1990, já resultaram em uma diminuição muito expressiva dessa mancha (que chegou a afetar mais de 580 quilômetros de extensão do rio), ainda há muito por fazer. A cada tonelada de esgoto tratado na Região Metropolitana de São Paulo, quilômetros de rio renascem no interior.
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Os indicadores medidos mostram que a proporção de água de boa qualidade voltou a subir: passou de 60 quilômetros, no ano passado, para 119. No geral, a qualidade da água na bacia do Tietê aponta uma tendência de estabilidade com pequenas melhorias. Esses resultados positivos, ainda que pontuais, demonstram que a recuperação do rio é possível por meio de programas de saneamento ambiental bem planejados – o que requer a execução de ações coordenadas, com a participação ativa da população, transparência, investimentos e aperfeiçoamento legal e tecnológico.
O aumento da mancha de poluição é um sinal de alerta claro de que é preciso atualizar a legislação que trata da qualidade da água no Brasil, erradicando os rios de classe 4. Essa classe altamente permissiva em relação a poluentes é inadequada para os dias de hoje. As consequências desse enquadramento são reveladas nos indicadores medidos: quase um terço dos pontos do Tietê amostrados apresenta água com qualidade ruim ou péssima, enquanto apenas 10,2% dos pontos registram boa qualidade – não há trechos com qualidade ótima. Isso evidencia a longa jornada que temos pela frente para alcançar um padrão de qualidade compatível com a importância do Tietê e de outros rios do Brasil.
Embora o investimento na despoluição do Tietê por meio da coleta e tratamento de esgotos venha crescendo ao longo das últimas décadas, a situação do rio também é agravada por eventos climáticos extremos que resultam em drásticas variações de vazão, volume de reservatórios e, principalmente, na temperatura da água. Tanto chuvas intensas quanto períodos de seca afetam a hidrodinâmica da bacia e podem intensificar a degradação, tornando a situação altamente delicada.
Por isso, mais do que nunca, a redução da poluição requer esforços contínuos e o aprimoramento legal do saneamento, juntamente com a adoção de soluções baseadas na natureza. A universalização do tratamento de esgoto até 2033, como previsto, é um objetivo extremamente necessário que exige esforços persistentes e recursos substanciais. Além disso, é essencial implementar o planejamento do uso da terra, criar políticas habitacionais abrangentes – afinal, o saneamento é inacessível para aqueles que não têm moradia –, restaurar matas ciliares para minimizar a erosão e reduzir a contaminação por agrotóxicos e fertilizantes. A proteção das florestas e ecossistemas, especialmente da Mata Atlântica, é crucial para manter a qualidade da água.
Para segurança hídrica é preciso fortalecer a gestão integrada da água e, por fim, reconhecer o acesso à água potável como um direito fundamental dos cidadãos, promovendo a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2021. Este é um passo fundamental para enfrentar a emergência climática.
A qualidade da água nos rios da Mata Atlântica é reflexo da responsabilidade socioambiental. Devemos agir com determinação e colaboração, envolvendo governos, comunidades e setor privado, para recuperar e proteger esses preciosos recursos naturais, garantindo assim um futuro mais saudável e sustentável para todos.
* Malu Ribeiro, jornalista, e Gustavo Veronesi, geógrafo, são, respectivamente, diretora de Políticas Públicas e coordenador da causa Água Limpa na Fundação SOS Mata Atlântica.
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