Max Filho *
A crise política tornou-se a marca deste governo. O chamado “presidencialismo de coalizão” dá claros sinais de exaustão. As grandes jornadas cívicas de junho de 2013, com milhões de brasileiros tomando as ruas de quase todas as cidades do país, indicavam a profunda insatisfação de quase todos com quase tudo que estava aí. Em 15 de março deste ano, os brasileiros voltaram às ruas, agora não mais em um sentimento difuso de indignação e desencanto, mas com a clara posição contra o atual governo.
Nunca antes na história republicana deste país um governo esgotou sua legitimidade em apenas 60 dias de mandato. O que esperar dos três anos e dez meses restantes?
Políticos, governantes e partidos precisam dar uma resposta ao clamor da sociedade, não permitindo que a frustração e o desencanto com a percepção de um trágico estelionato eleitoral e a imensa corrupção que corrói os órgãos estatais, como visto na assombrosa crise da Petrobras, se transformem em alienação e afastamento da política, abrindo espaço para aventuras e aventureiros.
Nessa crise, nossas instituições partidárias e eleitorais têm mostrado que o modelo até hoje adotado tem produzido inúmeras distorções e inadequações. A reforma política assume uma posição relevante em nossa agenda política. Precisamos construir um novo sistema político – partidário e eleitoral – que assegure uma efetiva representação política, com maior transparência, menos oneroso financeiramente para a sociedade e que permita um maior envolvimento da sociedade nas decisões políticas e na definição dos rumos da administração pública.
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Essa engrenagem envelhecida tem produzido resultados à sua imagem e semelhança, em um farto repertório de escândalos, corrupção e apropriação privada pelos partidos da máquina pública, cujos cargos são apenas moedas de troca em um balcão de negócios na construção de uma concepção equivocada de governabilidade.
Há, portanto, múltiplas razões para a forte rejeição e desencanto com a política, principalmente quando vemos os resultados da Operação Lava Jato: governo, políticos, partidos e empresários mancomunados em um processo de saque e assalto a Petrobras.
Esse é, portanto, o grande desafio da Comissão Especial da Câmara dos Deputados encarregada de formular um projeto de reforma política para o país. Temos hoje a oportunidade e a responsabilidade de promover substanciais mudanças no sistema político brasileiro, a partir da discussão da proposta de emenda constitucional da chamada reforma política.
A comissão, composta de 34 deputados federais, tem como base as propostas de emendas à Constituição 344/2013 e 352/2013, embora não tenha competência para tratar do sistema de governo. A nosso ver, o sistema parlamentarista apresenta muitas vantagens em comparação com o presidencialismo, especialmente na solução de crise políticas, como a que vivemos hoje.
Não há, porém, um modelo perfeito e imune a crises, mas podemos dar passos significativos. Afinal, entre o ideal e o possível há uma larga estrada que pode ser construída.
Nessa direção uma das principais questões é o do financiamento das campanhas eleitorais. Temos um modelo de eleição que produz campanhas caras e leva a dependência dos partidos e dos eleitos aos seus financiadores. É necessário romper com esse círculo vicioso. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as eleições de 2014 custaram R$ 5,1 bilhões, conta paga em sua maior parte por doações de empresas, especialmente empreiteiras e bancos, que, logicamente, esperam reaver o dinheiro “investido” nas campanhas eleitorais.
Sabemos que o chamado “financiamento público” não é visto com simpatia pela maioria da população que não quer ser chamada a pagar mais uma conta. Temos que reorganizar o sistema eleitoral de forma que as eleições sejam menos caras, criem-se limitações ao abuso do poder econômico e coloquem limites e constrangimentos às doações empresariais e, principalmente, impeçam a “doação eleitoral” de empresas que mantenham contratos com os governos.
Junto aos custos crescentes das campanhas, assistimos à proliferação desordenada de partidos políticos. Temos hoje 28 partidos representados no Congresso Nacional e outros tantos em fase de organização e registro. Hoje, criam-se partidos com o fim único de garantir acesso a fundos públicos e negociar espaços no horário eleitoral da TV.
Evidentemente que os cofres públicos não podem nem devem assumir uma conta tão grande. Impõe-se, portanto, a redução dos custos das campanhas eleitorais, assim como se impõe a necessidade de assegurar maior representatividade do sistema partidário, colocando limites à proliferação de partidos.
A primeira medida para atingir esses dois grandes objetivos é a adoção do voto distrital. Nesse sistema, os estados seriam divididos em “distritos eleitorais”, cabendo a cada distrito um ou mais parlamentares. As campanhas seriam regionalizadas, de forma que o candidato buscaria votos apenas em uma região e não em todo o estado.
O voto distrital permite, ainda, uma melhor identificação entre representante e representados, possibilitando ao eleitor um melhor controle e fiscalização do exercício do mandato do eleito.
No sistema distrital o candidato ou candidatos mais votados são os eleitos, acabando com a distorção do atual sistema eleitoral proporcional, em que o eleitor vota em um determinado candidato ou partido e acaba elegendo outro sem a necessária representatividade ou força eleitoral.
Deve ser observado ainda que, com a introdução do voto distrital, será possível instituir a regra do “recall”, que possibilita a população revogar o mandato daqueles que por motivos relevantes deixem de merecer a confiança daqueles que o elegeram. Ou seja, assegura uma melhor relação de identidade entre o eleito e seus eleitores e, consequentemente, o controle social do mandato.
Ao lado do voto distrital, há também o voto “distrital misto”, modelo adotado na Alemanha, na qual o eleitor vota no candidato do distrito e também na lista partidária. Parte dos candidatos é eleita pelo voto majoritário e a outra, conforme a proporcionalidade dos votos obtidos pelo partido.
Sob a liderança da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a chamada “Coalizão pela Reforma Política” apresentou a proposta do chamado voto em lista, o voto na lista definida pelo partido, e não na pessoa dos candidatos. Numa visão oposta, temos o chamado “distritão”, tese defendida pelo atual vice-presidente Michel Temer, que prevê a instituição do critério majoritário para todos os cargos em disputa, ou seja, com a eleição dos candidatos mais votados. Nesse caso, o partido seria mero coadjuvante do processo.
Como se vê são muitas as ideias para a reforma política e muitos interesses envolvidos, o que torna mais difícil e complicada a tarefa. Contudo, acreditamos que será possível introduzir avanços significativos em nosso sistema eleitoral e partidário.
* Max Filho, deputado federal (PSDB-ES) e presidente do Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal no ES (Sinpojufes), integra a Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados.
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