Logo depois da polêmica envolvendo Monark, ex-apresentador do Flow Podcast, o presidente Jair Bolsonaro condenou qualquer apologia ao nazismo, afirmando que a defesa da ideologia do regime comandado na Alemanha por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial deveria ser “repudiada”. Na ocasião, ele comparou o nazismo ao comunismo, pregando para ambos o mesmo repúdio.
A polêmica aconteceu porque Monark, durante o programa, defendeu que deveria haver liberdade para a criação no país de um partido nazista. Monark, na sequência, acabou desligado do programa.
Embora depois tenha se arrependido, Monark usou no programa um tipo de argumentação que parte da mesma lógica usada muitas vezes por Bolsonaro e outros bolsonaristas para defender a disseminação de fake news nas redes sociais e a defesa de ideia comprovadamente rebatidas pela ciência, como a ineficácia da vacina contra a covid-19: a ideia de que deve haver liberdade para se dizer e fazer qualquer coisa. O problema de tal argumentação é se permitir a defesa de coisas que vão contra a saúde das pessoas – caso do discurso anti-vacina – ou contra a própria manutenção da liberdade, caso da defesa de regimes autoritários, como o nazismo ou a ditadura militar que se instalou no Brasil entre 1964 e 1985.
Leia também
Ainda que tenha agora afirmado repudiar o nazismo, Bolsonaro, que declaradamente defende a ditadura militar que houve no Brasil, participou de algumas situações controversas que permitiriam apontar para algum flerte com o nazismo.
Em 2015, por exemplo, ele chegou a posar ao lado de um sósia de Adolf Hitler após uma audiência pública na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que discutia a tese da “Escola sem Partido”, projeto destinado a tentar retirar conotações ideológicas da fala de professores em salas de aula. O sósia de Hitler era Marco Antônio Santos, que foi impedido na ocasião de discursar na Câmara justamente por estar fantasiado como o ditador nazista. Em 2016, Santos filiou-se ao PSC, partido no qual também estava à época Bolsonaro.
Outro episódio polêmico circula pelas redes sociais. Trata-se de uma entrevista que Bolsonaro, então deputado, concedeu ao programa CQC, que já não existe. No programa, Bolsonaro é submetido a um detector de mentiras. Há uma versão editada do vídeo que faz parece que Bolsonaro afirma que se alistaria ao exército nazista se vivesse na Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Não é isso o que ele diz. O que ele diz é que o alistamento era obrigatório e que, portanto, não cabia fazer a pergunta. Mas emenda dizendo que seu bisavô, que era alemão, tinha sido “soldado de Hitler” e “perdido um braço” na guerra. Na verdade, Carl Hintze, alemão da cidade de Hamburgo, chegou ao Brasil com sua família em 1883, 55 anos antes do início da Segunda Guerra Mundial.
Além dos dois episódios citados acima, há outros nove selecionados pelo Congresso em Foco em que Bolsonaro ou pessoas próximas a ele e a suas ideias ficaram pelo menos muito perto de fazer defesa do nazismo.
Questionamento ao holocausto
Em 5 de setembro de 2018, às vésperas do esfaqueamento de Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), simpatizantes do então candidato a presidente reagiram a uma publicação feita no Facebook pela Embaixada da Alemanha no Brasil, pedindo cuidado com regimes de “extremistas de direita”.
O vídeo, que foi ao ar no dia 5 de setembro, gerou grande discussão entre os usuários da rede social porque alguns brasileiros contestaram a existência do holocausto e afirmaram que o nazismo, na verdade, foi um regime de esquerda. Alguns chegam a usar o termo “holofraude” para contestar a história.
O nazismo foi um regime que surgiu na Alemanha na década de 1930 e que levou ao holocausto (sacrifício físico em massa) e à morte de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A embaixada explica que, por isso, os alemães começam a estudar sobre a história do nazismo e do holocausto desde os 13 anos, e que na Alemanha é crime a própria negação do holocausto, bem como exibir símbolos nazistas e fazer a saudação “Heil Hitler” – a famigerada alusão a Adolf Hitler, líder máximo do nazismo.
Alguns brasileiros comentaram a publicação e contestaram a veracidade das informações trazidas pela embaixada. “Extremistas de direita? O partido de Hitler se chamava Partido dos Trabalhadores Socialistas. Onde tem extrema direita?”, questiona um dos comentários. “O holofraude está com os dias contatos”, diz outro.
Leia também:
Negar holocausto é desinformação e irresponsabilidade, diz cientista político
Símbolo extremista
Um símbolo adotado por extremistas nos Estados Unidos foi reconhecido e registrado em manifestação de apoiadores de Bolsonaro na campanha de 2018. O símbolo do reino imaginário “Kekistan”, que surgiu em fóruns na internet, passou a integrar manifestações da extrema-direita especialmente depois da ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
A bandeira foi erguida em manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, ao lado de apoiadores de Bolsonaro.
Como Goebbels
Ao divulgar a criação do Prêmio Nacional das Artes, em 2020, o então secretário de Cultura, Roberto Alvin, usou trechos de um discurso do ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, e adotou também cenário semelhante ao que Goebbels usava em seu gabinete.
Alvim dizia que o prêmio tornaria a arte brasileira da próxima década “heroica, nacional e imperativa”, mesmos termos que Goebbels utilizava para definir a arte que se pretendia na Alemanha nazista. Após o discurso, Bolsonaro demitiu Alvim, que foi substituído pela atriz Regina Duarte, também substituída pelo atual secretário, Mario Frias.
“Piores que o nazismo”
Também em 2020, poucas horas depois da demissão de Roberto Alvim, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que o comunismo e o socialismo são piores que o nazismo. “O Brasil corretamente abomina o nazismo, um nefasto sistema que criou uma máquina que assassinou 6 milhões de judeus e jogou o mundo na Segunda Guerra Mundial. Mas muito mais assassino foi e é o comunismo/socialismo, que vive trocando de nome e se reinventando, porém segue matando por onde passa”, escreveu o terceiro filho do presidente Jair Bolsonaro no Twitter.
Eduardo alegou que, por conta de regimes como os de Josef Stalin (União Soviética), Fidel Castro (Cuba) e Hugo Chávez/Nicolás Maduro (Venezuela), o comunismo matou mais de 100 milhões de pessoas. E reclamou que, mesmo assim, só o nazismo é criminalizado no Brasil.
Líder do PSL na Câmara, o deputado ainda disse que, por isso, já apresentou um projeto de lei para tentar criminalizar a apologia ao comunismo no Brasil. “No mínimo devemos debater a proibição do comunismo, fato que já consumado na Polônia, Indonésia e outros países, principalmente os que se libertaram dos mandos da ex-União Soviética”, defendeu.
Noite dos Cristais
Neto de judeus que emigraram para o Brasil fugindo da perseguição nazista, o ex-ministro da Educaçao Abraham Weintraub comparou, em maio de 2020, uma ação da Polícia Federal determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para investigar atos antidemocráticos à trágica “Noite dos Cristais”, episódio ocorrido na Alemanha em 10 de novembro de 1938 no qual uma série de ataques a 250 sinagogas e 7 mil estalecimentos de semitas resultou na morte de cerca de 90 judeus. Os atentados foram planejados por Joseph Goebbels, chefe da propaganda de Adolf Hitler.
O ministro concluiu sua manifestação no Twitter fazendo a comparação com a expressão alemã “sieg heil” (“viva a vitória”, em português), usada com frequência por nazistas. Na ocasião, o ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB, comparou o STF, que já o condenou por participação no esquema do mensalão, ao nazista Tribunal do Reich. E o blogueiro Allan dos Santos associou Alexandre de Moraes a Hitler.
As manifestações geraram reações de instituições que representam a comunidade judaica no Brasil. A reação mais dura veio do Instituto Brasil-Israel. “É risível e trágico: aqueles que incorporam a linguagem e a estética nazista agora acusam os outros da mesma coisa para se vitimizarem”, diz nota divulgada pela entidade. “Apenas parem. Vocês ofendem a memória das verdadeiras vítimas do nazismo e não enganam ninguém”, acrescentou.
Extrema direita alemã
Em julho de 2021, esteve no Brasil a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita AfD e neta de Ludwig Schwerin von Krosigk, antigo ministro das Finanças do regime nazista de Hitler. Na ocasião, Beatrix foi recebida e posou para foto com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Ela também esteve com Eduardo Bolsonaro e com a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Em uma foto divulgada pela equipe de Beatrix à imprensa europeia, Bolsonaro aparece abraçado a ela e ao marido da deputada, o presidente da AfD, Sven von Storch. Beatrix von Storch afirmou que a visita teve como objetivo fortalecer suas conexões e “defender nossos valores cristãos e conservadores em nível internacional”.
O partido AfD é conhecido pelo discurso radical anti-imigração e se alinhou ao discurso negacionistas da pandemia.
Propaganda nazista
Autodeclarada integrante da milícia virtual do presidente Jair Bolsonaro, com direito a crachá publicado em suas redes sociais, a promotora Marya Olímpia Ribeiro Pacheco, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), usou a sua conta pessoal no Facebook para publicar material de propaganda nazista.
Ela publicou sete posts com imagens de cartazes nazistas e mensagens de apoio a Adolf Hitler, todos em 17 de setembro de 2016. As publicações permaneceram no Facebook desde então e foram capturadas pelo Congresso em Foco. Pouco depois, o perfil de Marya Olímpia passou a ter acesso restrito.
Exaltações ao Führer (líder, em português) são a tônica das imagens publicadas pela promotora do Distrito Federal. “Kämpft für führer und volk” (“lute pelo líder e pelas pessoas”), diz uma das mensagens. Outra conclama os trabalhadores a serem soldados de Hitler.
Em pelo menos dois casos as postagens nitidamente nazistas apareciam ao lado de mensagens comunistas, ambas escritas em russo. “Olá, guerreiros contra o fascismo”, consta de uma delas. “O partido de Lênin é a vanguarda dos construtores do comunismo”, afirma outra. Como as imagens não são acompanhadas de qualquer texto adicional (em português ou qualquer outro idioma), ficou a dúvida sobre a intenção da promotora.
Em nota enviada ao Congresso em Foco, a promotora negou que tenha feito apologia ao nazismo. Segundo ela, as imagens compartilhadas “em um único dia de 2016” faziam uma comparação entre as propagandas dos regimes nazista e stalinista, aos quais se refere como “ditaduras abomináveis”. Para reforçar sua justificativa, Marya Olímpia alega que foi casada com um descendente de judeus.
“Exemplo de educação infantil”
Em novembro de 2021, um apoiador de Bolsonaro, no cercadinho do Palácio da Alvorada, citou Hitler como exemplo para educação infantil. Bolsonaro não refutou a ideia de seu apoiador, nem o reprimiu pela sugestão. Na resposta, afirmou que gostaria de “uma educação moral e cívica nas escolas” e que não consegue porque há ministérios que são “transatlânticos”.
“A gente via que Hitler trabalhava muito com as crianças. Nosso Ministério da Educação já poderia estar fazendo também um trabalho com as crianças para voltar à conscientização?”, pergunta o apoiador. Na sequência, o presidente responde: “Você não consegue… Tem ministério que é um transatlântico. Não dá para dar um cavalo de pau. Eu gostaria de imediatamente botar educação moral e cívica, um montão de coisas lá, coisas que são boas. Eu ouvi outro dia, tive o saco de ouvir, uns 10 minutos, duas mulheres… Podiam ser dois homens… mas que não sabiam nada. Elas não sabiam nem o que era Poder Executivo. Coisas absurdas que são comuns.”
Personagem admirado
Bem antes, porém, em 1995, Bolsonaro defendeu estudantes do Colégio Militar de Porto Alegre que haviam escolhido Adolf Hitler como o personagem histórico mais admirado. O então deputado federal ainda disse, na ocasião, que os alunos votaram em Hitler por entenderem que “de uma forma ou de outra”, o líder nazista soube impor ordem e disciplina.
Adolf Hitler foi escolhido por 84 dos 158 formandos da turma de 1995, que incluíram seu nome na revista estudantil Hyloea publicada em 1997. “Quero deixar patente minha revolta com a grande mídia, um tanto quanto servil, que criticou duramente o Colégio Militar de Porto Alegre apenas porque nove entre 84 alunos resolveram eleger entre Conde Drácula, Hércules, Nostradamus, Rainha Catarina, Átila – só faltou FHC -, Hitler como personalidade histórica mais admirada”, afirmou Bolsonaro em discurso realizado na Câmara dos Deputados.