O céu é invulnerável e o máximo de vulnerabilidade. Não há cercas, no céu. Mas quem pode invadi-lo e dominá-lo? Esse é mais um exemplo de encontros dos opostos, tão presentes no cotidiano. A humanidade se move em torno de paradoxos, que a inspiram e desafiam a sintetizar as realidades com as quais vai se deparar.
A democracia é o sistema político mais vulnerável, mas também aquele que apresenta o máximo de invulnerabilidade. Quando o poder é de todos, o poder é de ninguém. Fazendo referência aos fractais, em cada cidadão encontra-se toda a cidadania – e esse é um sentido mais profundo para o paralelismo entre indivíduos (letras pequenas, para Platão) e as comunidades políticas (letras grandes).
Na dinâmica, viva, do exercício de direitos (coletivamente garantidos) e cumprimento de obrigações (coletivamente requeridas), o cidadão se move dialogicamente. É unidade quando se arroga um direito, é unidade quando atende a um dever, mas é comunidade ao integrar o coletivo que assegura o seu próprio direito e é comunidade quando requer obediência a terceiros. Na experiência cidadã, portanto, encontram-se elementos para reconstituir o todo da experiência democrática sistemática. Na fractalidade o todo está em cada parte.
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Essa característica traz grande resiliência ao sistema. Fato que acabou se comprovando em achados científicos – o cientista político Juan Linz encontrou forte correlação entre tempo de vigência de sistemas democráticos e permanência de democracias. Ou seja, quanto mais tempo uma democracia existe, mais ela tende a perdurar. Destruir completamente uma democracia é difícil, pois ela será sempre capaz de se reconstituir a partir de uma das suas partes remanescentes. E quanto mais tempo a democracia existe, mais o todo sistêmico se imprime nas partes cidadãs, reforçando sua tendência a permanecer.
Ser resiliente não significa, contudo, ser infensa a ataques. Muitas matilhas assolam as democracias modernas para se locupletarem dos Estados. Com técnicas renovadas de manipulação social, ampliadas pelas redes, rasgam a paz social espalhando o sangue de sua verborragia populista. Os abusos desses tempos não carecem de candidatos a perpetrá-los. Diante de uma tal ameaça, a cada cidadão, como parte, cabe a vigilância permanente – o preço eterno da liberdade. Cada cidadão deve ser sirene, pronta para ressoar a qualquer ataque antidemocrático. Assim, poderão acontecer danos pontuais, mas o sistema será capaz de se regenerar.
Idealmente, a democracia deveria escolher, para ocupar seus postos de liderança, pessoas que tivessem um caso de amor com a humanidade. Dispostos a reconhecer em cada cidadão a cidadania e a humanidade em cada ser humano. As eleições se aproximam e não posso deixar de alimentar a ilusão de que nelas as pessoas olhassem menos para as propostas e mais para os seres humanos que se apresentam para a disputa. Pelo momento peculiar do país, um estadista que soubesse tratar as feridas e promover pacificações sociais seria mais importante do que a opção por um pacote específico de políticas públicas.
Não se trata de convergências forçadas ou de imposição de verdades, ainda que debaixo do canto de sereia da necessidade de união. Governar, em uma sociedade democrática, implica lidar constantemente com divergências. Pluralismo está na base da democracia liberal e não faz sentido concebê-la sem essa dimensão. Trata-se, antes, de operar a partir dos consensos fundamentais (como a própria manutenção da democracia, por exemplo), buscando agregar a maior quantidade de pessoas para propostas concretas de melhoria da vida em comum do povo brasileiro.
Muito se comenta que o céu sem nuvens é o mar de Brasília. Naquilo que ambos têm de simbólico, que essa imagem permaneça com você, leitor. Brasília como representação da possibilidade de uma comunidade política viva e democrática. O mar como espelho do céu em sua invulnerabilidade. A gota de água que almeja a eternidade deve se lançar no oceano. Nele, será permanência e distinção, parte e todo, existindo em sintonia com a infinidade de partes semelhantes e interagindo para produzir ondas ocasionais (as políticas públicas residuais), em uma ou outra direção, em um processo que se renova a cada eleição.
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