Relatório divulgado nesta sexta-feira (26) pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) revela que o garimpo persiste e promove um estrangulamento dos serviços de saúde na Terra Indígena Yanomani, passado um ano desde que o governo federal declarou emergência em saúde pública e começou a expulsar os invasores da região. Segundo o documento, embora o governo Lula tenha se mobilizado em seu primeiro ano para combater o garimpo ilegal na terra indígena, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade em sua totalidade em 2023.
“De fato, houve uma importante redução no contingente de invasores, o que pode ser verificada na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami”, diz o relatório.
Conforme o levantamento, as atividades criminosas não apenas continuam ocorrendo, como inviabilizam o atendimento de saúde da população, que mantém baixa cobertura vacinal, padece de problemas de saúde e mortes por doenças tratáveis, além de sofrer intimidações, afetando o trabalho dos profissionais de saúde. No último dia 16, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que a crise humanitária na região pode se estender por décadas, tamanha a sua gravidade.
Segundo os dados apresentados pela entidade, a área total impactada pelo garimpo na terra indígena cresceu cerca de 7% em 2023, atingindo um total de 5.432 hectares. Esse número representa desaceleração significativa na taxa de crescimento da área degradada, na comparação com o avanço vertiginoso verificado em anos anteriores, quando o garimpo ilegal no território chegou a crescer 54% entre 2021 e 2022, e 30%, entre 2019 e 2020.
Ao todo, 308 indígenas yanomami morreram em 2023, sendo 129 por doenças infecciosas, 63 por parasitárias e 66 por respiratórias. O número é inferior, mas não muito distante das 343 mortes registradas em 2022, quando a crise estourou. No ano passado, sete indígenas morreram em confrontos com armas de fogo levadas ao território por garimpeiros ilegais.
A nota técnica aponta mudança na dinâmica do garimpo ilegal ao longo do ano passado. Quando as forças de segurança do governo federal iniciaram forte operação de comando e controle, no primeiro semestre, estima-se que cerca de 80% do contingente de invasores foram expulsos da terra, mas com o relaxamento das medidas a partir do segundo semestre, “observou-se a reativação e a intensificação da exploração em diversas zonas”.
Denúncias das próprias comunidades indígenas mostram que duas situações diferentes ocorreram após o início da repressão das forças de segurança. De um lado, algumas zonas de garimpo se mantiveram intactas por causa da resistência de grupos mais violentos, ainda não debelados. Outras áreas de exploração mineral, inicialmente abandonadas, foram sendo reativadas ao longo do ano.
Também foi observada mudança nos centros de distribuição da logística do garimpo, que se deslocaram para áreas mais próximas ou já dentro do território venezuelano. Imagens de satélite mostram o aparecimento, a partir de julho do ano passado, de nova pista clandestina para aviões ilegais em uma área a três quilômetros (km) da fronteira, e outra já em área do país vizinho.
As associações indígenas pedem, no relatório, que o governo federal retome com força as operações de desintrusão de garimpeiros da terra indígena, elabore um plano de proteção territorial completo e viabilize que comunidades indígenas possam ter a opção de se mudar das áreas mais afetadas pela presença dos invasores.
O documento recebeu apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil e tem endosso também da Associação Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e da Urihi Associação Yanomami.
Veja as recomendações do relatório:
– A retomada urgente de operações de desintrusão de garimpeiros no Território;
– Fortalecer a articulação entre as ações setoriais e planejar o desenvolvimento das ações de maneira integrada, através de uma coordenação operacional e intersetorial da emergência Yanomami;
– Elaboração de um Plano de Proteção Territorial, que considere:
a) soluções para reduzir a vulnerabilidade das outras calhas de rio que dão acesso à TIY;
b) soluções para o efetivo bloqueio fluvial e controle do espaço aéreo da TIY;
c) mecanismos que garantam uma rotina de patrulhamento nos rios, em caráter no mínimo mensal;
d) planos de ação regionalizados para regiões sensíveis que combinem em um único cronograma ações de neutralização do garimpo, apoio emergencial, promoção à saúde, reocupação das UBSIs com apoio de forças de segurança, e desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades;
e) plano de capacitação de indígenas para o seu envolvimento nas ações de vigilância nas calhas de rio; f) monitoramento remoto contínuo da TIY como respostas rápidas a novos alertas por parte das forças de segurança;
g) ações regulares de fiscalização no entorno de pistas de pouso, portos e postos de combustível;
– Desenvolver um plano para estimular o desarmamento voluntário nas regiões sensíveis;
– Apoiar o reassentamento de comunidades afetadas pelo garimpo que manifestam o interesse de mudar-se para um novo local por não ter condições mínimas de permanência, com apoio logístico, ferramentas, infraestrutura para atendimento à saúde e acompanhamento próximo durante sua instalação;
– Promoção de ajustes na resposta à crise sanitária, observando a necessidade de: i) reformas nas estruturas destinadas a atender os Yanomami, bem como nas pistas de pouso que atendem os estabelecimentos de saúde; ii) investimento na mobilidade dos funcionários dentro de território; iii) criação de novas unidades de saúde e que iv) sejam seguidas as recomendações do relatório da Transparência Internacional de forma a garantir o controle social dos orçamentos do DSEI-YY;
– Criação de uma força tarefa para o controle da malária na TIY;
– Ampliação das parcerias e cooperações técnicas com organizações especializadas em saúde que possam subsidiar soluções práticas capazes de responder à crise sanitária na Terra Indígena Yanomami. (Com informações da Agência Brasil e do ISA)
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