O conceito de “cancelamento na internet” se refere a uma forma de boicote social onde uma pessoa ou entidade é ostracizada ou excluída de determinados círculos sociais ou plataformas digitais, muitas vezes devido a comportamentos ou opiniões consideradas problemáticas. Esse fenômeno tem se intensificado com a ascensão das redes sociais, onde grupos de indivíduos se mobilizam para expressar desaprovação contra certas figuras públicas ou privadas, afetando reputações e carreiras. O programa de hoje vai tratar de um tema que viralizou na última semana, que foi a eliminação da atriz Yasmim Brunet e a desclassificação da cantora Wanessa Camargo no BBB deste ano. Tão amadas e agora odiadas, ao mesmo tempo!
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Ninguém é unanimidade, a vida muda e ninguém está imune aos humores da internet. Essa são três verdades dos tempos modernos.
Em primeiro lugar, eu queria começar contando uma história. O termo “cancelamento” provém da cultura popular americana, tendo se popularizado nas redes sociais na última década. Inicialmente, era usado em contextos mais leves e humorísticos, mas rapidamente evoluiu para ações de boicote mais sérias e organizadas contra figuras públicas acusadas de condutas inapropriadas ou opiniões polêmicas.
Vamos contextualizar. A Yasmin e a Wanessa deixaram o programa, ainda que por razões diferentes, sob acusação de terem opiniões e comportamentos racistas perante outro participante, o motorista de aplicativo Davi, pelo fato de Davi ser negro e oriundo da periferia.
Essas narrativas, consideradas impulsivas, foram muito mal recebidas pela audiência do programa, e as autoras sofreram uma onda de críticas bastante contundentes por parte dos seguidores do reality show.
Na internet, é assim, o julgamento e a condenação são quase instantâneos, sem chance de defesa prévia ou o chamado devido processo legal.
Isso nos mostra que os gatilhos da internet são impulsividade, extremismo, polêmica e sensação de impunidade. Ou seja, tanto o conteúdo, quanto o rechaço, a reatividade, podem ser violentos. E essa explosão de emoções dá uma dimensão incalculável para uma briga que, na vida real, teria uma consequência muito menor.
Essa discussão tem dois lados. O lado bom é que ela expõe as vísceras do racismo estrutural em que vivemos, ou seja, a sociedade é culturalmente preconceituosa. E isso vem naturalmente, e é reforçado não apenas pelas elites, como pelas próprias mídias.
Por outro lado, isso expõe também a falta de maturidade com que a gente lida com os temas polêmicos e com a diferença na rede social, em que um fato desagradável, sem querer tirar o seu impacto negativo, se torna uma tragédia e consegue parar o País.
Para entender um pouco esse processo, porque sentimos tanto ódio subitamente, e porque não conseguimos ter respostas mais sensatas diante de erros muito graves, como o racismo, mas que devem ser discutidos em outro nível de civilidade, é que nós convidamos a psicóloga e Doutora Patrícia Luque (1) para explicar o que é o cancelamento e como ele opera.
“Sobre o cancelamento na rede, é importante lembrar que a internet deu a todos uma voz, um perfil, uma chance de se manifestar. Antes da internet, isso não era possível. Claro que há aspectos positivos da democratização do acesso, de dar voz às minorias, mas também trouxe a ideia de que todos podem falar o que quiserem. E no cancelamento na internet, acontece que eu posso ter minha opinião, mesmo que isso desagrade outros ou tenha abusos emocionais. Existe esse ódio na rede, que vem dessa chance de ter um perfil e da pouca possibilidade de punição nesses contextos.
O que acontece é que as redes sociais acabam permitindo o discurso de ódio, ofensas ou abusos, porque não há punição disponível para esses agressores que estão protegidos pelo anonimato, pseudônimos ou múltiplos perfis.
Sim, a responsabilidade, tanto civil, quanto criminal, na internet, é um problema. Vejamos o caso da Jéssica Vitória, a jovem que sofreu cancelamento na internet por uma notícia falsa no site Choquei, e que tirou a própria vida no final do ano passado. Para comprovar que a plataforma não agiu preventivamente, é muito difícil, chega a ser quase impossível mostrar o nexo causal. Para tanto, é importante que as emissoras, assim como os sites, influenciadores e também as redes sociais moderem o conteúdo que passa dos limites. É preciso também combater as contas inautênticas, ou seja, as contas falsas, não verificadas. E rever a política de algorítimos, para que o conteúdo negativo e incendiário não seja priorizado pelas plataformas digitais, nem possa ser monetizado. Existem vários projetos de lei que pedem a verificação da identidade para navegar na rede, pois os mais jovens são os mais suscetíveis ao cancelamento. O PL da transparência e da liberdade (PL 2630/2022) (2) também cobra uma responsabilidade no caso de cancelamento, ao coibir crimes como indução ao suicídio ou automutilação, que são gerados por conteúdos de ódio e violência na internet. O projeto prevê que nesses casos, as plataformas e redes sociais serão responsabilizadas se não removerem o conteúdo.
É claro que a gente precisa falar de racismo estrutural, que a gente precisa incentivar o debate público, que precisamos educar a sociedade, mas não se combate um crime, pois racismo é crime, com outro crime e mais violência.
Temos a lei do ciberbullying, mas isso é outra coisa, pois é uma violência que se prolonga no tempo.
O cancelamento é dramático pela intensidade e pelo alcance, ou seja, ela é quase uma chacina moral da sua reputação, em doses cavalares e de maneira coletiva.
O fato é que as leis que temos não são suficientes para combater nem a responsabilidade de quem pratica o bullying, nem das plataformas, que estimulam e lucram com o negativismo na rede de computador. Semeiam a discórdia, atentam contra a publicidade, e a regra principal é: nada acontece para quem ataca.
A psicóloga Patrícia Luque explica que, neste contexto de lacuna legal, é importante que a vítima do cancelamento aprenda a se distanciar dos ataques.
“Olhando para a pessoa que é vitimada por esses comentários, o que é importante é colocá-los em perspectiva. Claro que há ferramentas terapêuticas que podem funcionar, mas podemos pensar em resiliência, distanciamento, compreensão do panorama e entender pontos positivos para a própria vida. O que significa para a vida desta pessoa, quais os valores, com o que ela se conecta, o que é maior, e não ficar sensível aos comentários, não quer dizer que os comentários não sejam desagradáveis, pois eles são. Mas eles são mais amplos e gerais, então a ideia é que a pessoa consiga encontrar razões para além disso e encontrar o que é significativo para a vida dela. A gente sempre vai receber críticas, tanto no mundo offline quanto online.”
O fato é que nem todos são haters, como se diz para as pessoas que praticam a política do ódio da internet. Existe ai um efeito manada muito importante, então é uma questão sistêmica, de como o funciona se retroalimenta dentro das bolhas de opiniões que são as mesmas e polarizam e não toleram a diversidade.
Isso é um fenômeno cultural, e isso também impacto no racismo estrutural que nós vivemos, ´pois a cultura é muito forte, ela vem dos nossos ancestrais, na nossa colonização, da estrutura patriarcal da sociedade, das elites que precisam manter o status quo e a gente vai repetindo padrões e fortalecendo a desigualdade na sociedade, muitas vezes até sem querer e sem ter a consciência de que cada gota, ou seja, cada opinião, conta nesse contexto tão problemático do cancelamento digital, ou boicote social que a gente sofre na internet.
Nos segue nas redes sociais para gente discutir melhor quem é que ganha com isso, porque eu sinceramente não faço a menor ideia.
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