* Texto escrito em parceria com João Vitor Oliveira de Araújo, Gabrielle Luz e Júlio Cezar Macedo, estudantes de Gestão Pública da FipeEES com experiência de estágio no Movimento Voto Consciente
Há na psicologia um princípio que afirma ser “o todo maior do que a soma das partes”. O intuito aqui é compreender a existência de algo nas relações entre, por exemplo, indivíduos, que faria um dado coletivo ter maior significado que a percepção isolada das partes que o compõem. Tal afirmação pode parecer óbvia, mas devemos lembrar que vivemos num país cujo povo é sociologicamente descrito em uma série de tratados como extremamente individualista e, para completar, vivemos numa era de extremo individualismo virtual. Nesse sentido, seria possível imaginar que parlamentares pouco se importam com as casas legislativas onde são parte de um todo maior que cada um deles, e fazem suas trajetórias políticas a partir de seus gabinetes e, sobretudo, em muitos casos, de suas contas privadas nas redes sociais – muitas delas alimentadas por servidores públicos pagos a peso de ouro com recursos do Estado. Ou ao menos, muitas delas capazes de os levarem para os cargos de representação com peso superior aos próprios partidos e ideais coletivos.
Pois bem. A Constituição Federal descreve como característica da gestão pública o caráter impessoal das ações de comunicação do Estado e dos governos. Aqui vivemos o primeiro grande dilema desse texto: políticos, em tese, eleitos para cargos no poder Executivo não podem fazer propaganda governamental em primeira pessoa, ou ao menos não deveriam fazê-lo. Enquanto isso, os legisladores fazem ostensivo uso de pronomes como “EU” para explicarem a realidade utilizando como justificativa a “prestação de contas de seus mandatos parlamentares”. Espere um pouco: está pacificado na justiça e na lei que o mandato parlamentar eleito pelo sistema proporcional, que equivale à avassaladora maioria dos casos, pertence aos partidos. Como pode em primeira pessoa, com estruturas públicas sofisticadas em algumas casas parlamentares, se falar em tom pessoal com o eleitor? Quantas propagandas de BANCADAS partidárias em parlamentos você já assistiu? Quantos anúncios institucionais de parlamentos você já viu? Respostas: bancadas partidárias não se comunicam plural e diretamente com a sociedade, e estratégias de comunicação de legislativos são, por vezes, raras e muito mais frágeis que a capacidade de o legislador falar com seu eleitorado.
Partindo dessa ideia, realizamos uma pesquisa muito simples, com o objetivo de entender a dimensão de um grupo especial de parlamentares em relação aos seus respectivos legislativos, e das próprias casas parlamentares em relação à sociedade. O espaço da pesquisa são quatro redes sociais relevantes: Instagram, Facebook, X e Youtube.
As perguntas centrais de nossas procuras foram: existem parlamentares maiores que as próprias casas em termos de presença nas redes sociais? Para tanto, selecionamos apenas os campeões de votos para as respectivas assembleias estaduais em 2022, e fizemos o mesmo com os vereadores das capitais em 2020. As casas parlamentares têm capacidades de mobilização de seguidores semelhantes em relação aos respectivos eleitorados de onde estão? As diferenças são muito gritantes entre as capitais e os respectivos estados? O que notamos? Que números encontramos que chamam mais a atenção?
Existem legisladores que em termos de presença nas redes sociais medida pelo total de seguidores, são maiores que os parlamentos aos quais pertencem – alguns, inclusive, chegaram lá, justamente, pela capacidade de mobilização virtual. No Instagram, por exemplo, 21 dos 27 deputados estaduais selecionados para esta análise têm mais seguidores que a respectiva Assembleia Legislativa, número que diminui quando olhamos para o Facebook, onde 16 possuem mais seguidores. Já no Youtube as casas passam a dominar, registrando mais seguidores em 23 estados. Por fim, no X, em 17 estados as casas legislativas estão à frente dos parlamentares.
Quando passamos a falar dos vereadores, considerando apenas os campeões de voto no pleito mais recente das 26 capitais, em 22 delas os representantes têm mais seguidores no Instagram que a casa legislativa, enquanto no Facebook são 15 vereadores que possuem vantagem. A exemplo das assembleias, as câmaras locais viram o jogo no X, liderando em 19 capitais, e no Youtube com 21.
A primeira conclusão a que chegamos é: apenas considerando uma parte de cada parlamento, ou seja, a despeito dos demais colegas para além dos campeões de votação, os desempenhos dos parlamentos nas redes sugerem maior grau de interesse no representante para além da casa onde atua no Instagram e no Facebook – onde podemos considerar que pessoas são mais vistas que as instituições, e devemos considerar que os mandatos podem ter sido conquistado a partir da massificação da presença e não o contrário, ou seja, o volume de seguidores ter sido alavancado pelas eleições ou pelo mandato. Tal jogo se inverte no X e no Youtube. Mas se aqui ainda temos que resolver dilemas e podemos aferir a realidade sob hipóteses positivas ou negativas, a questão seguinte então é: qual a capacidade de presença dos parlamentos subnacionais no feed dos eleitores?
O desempenho das casas legislativas, estaduais e municipais, em relação ao número de eleitores tende a ser expressivamente baixo. Aqui partimos de um exercício basilar e somamos os seguidores das quatro redes utilizadas. Sabemos que uma mesma pessoa pode seguir uma casa em diferentes ambientes virtuais, assim como temos a plena consciência que não existe a necessidade de ser eleitor de uma cidade ou estado para acompanhar sua respectiva casa legislativa. Ainda assim, nos perguntamos: qual o nível de interesse das pessoas pelos parlamentos nas redes e qual a abrangência desse contingente em relação ao respectivo eleitorado? A resposta não nos remete a algo promissor. Com exceção ao estado de Roraima, onde o total de seguidores somados nas contas da Assembleia Legislativa equivale a 38,7% do eleitorado estadual, em todas as demais assembleias o número é inferior a 5%. Com um adendo: em 14 casas o índice não atinge sequer 2%. Em relação às capitais, o distanciamento não é muito diferente. Enquanto João Pessoa registra o equivalente a 10,1% do eleitorado em seguidores somados, existem três capitais que sequer não atingem 2%. A média simples de estados e das cidades selecionadas não chega a 5%, com as capitais registrando menor desvio.
Os resultados aqui colhidos parecem sugerir um reforço da cultura do eleitorado mais associada à busca por informações em contato virtual com seus deputados estaduais e vereadores, em detrimento da percepção acerca da relevância das casas legislativas em suas realidades. Reconhecemos assim, o caráter de um relacionamento menos institucional com a política e mais pessoal, algo que nos caracteriza como sociedade faz décadas. Não à toa, os números apresentados em relação a Instagram e Facebook, onde as interações são mais personificadas, são expressivamente maiores. Por exemplo: a soma dos seguidores dos parlamentares líderes de votação nas capitais é cinco vezes maior em relação à soma dos seguidores das câmaras no Instagram, mais de três vezes maior no Facebook e no X, e uma vez e meia maior no Youtube. Já nas assembleias, os parlamentares têm, somados, seis vezes mais seguidores que o acúmulo dos parlamentos, mais de duas vezes e meia os contingentes dos legislativos no X e no Facebook e, finalmente, as assembleias têm vantagem no YouTube.
Naturalmente, se considerássemos todos os mais de mil deputados estaduais e os quase 800 vereadores de capitais, os volumes de seguidores em suas relações pessoais transcenderiam ainda mais os resultados das casas. Enfatizamos nosso reconhecimento às relações de ordem mais pessoal entre políticos e eleitores, mas insistimos: a afeição ao caráter partidário e legislativo por parte de nossos cidadãos ainda parece longe do ideal de uma república que se pretende democrática e de uma democracia que se deseja republicana. Quem sabe num artigo futuro não envolvemos, para dimensionarmos ainda mais este argumento final, o total de seguidores dos partidos com as maiores bancadas nos estados e nas capitais? Por fim: o que explica os números de Roraima e de João Pessoa? Tais casos merecem atenção positiva? Ou os resultados desvendam algo a ser questionado?
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