A campanha promovida pelo empresário sul-africano Elon Musk contra as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando o bloqueio de perfis de alvos do inquérito das milícias digitais no Twitter pode surtir efeito sobre o comportamento de eleitores na disputa municipal de 2024. De acordo com especialistas, o atrito entre o bilionário e o Judiciário pode se converter em combustível para a mobilização do eleitorado de extrema-direita.
De acordo com o analista legislativo e doutor em filosofia André Sathler, há uma simpatia natural entre a extrema-direita brasileira e o discurso de Elon Musk. “Ele se posiciona contra o STF em defesa de uma espécie de liberdade de expressão irrestrita, que é uma das principais bandeiras adotadas pelos bolsonaristas”, esclareceu. Ao acusar Moraes de praticar a censura contra aliados de Jair Bolsonaro, Musk acaba mobilizando essa parcela de eleitores.
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Para além da discussão sobre liberdade de expressão em si, Elon Musk ameaçou descumprir deliberadamente as decisões da justiça brasileira, tensionando a disputa em direção à possibilidade de um fechamento, mesmo que temporário, de sua plataforma no Brasil. “Se fechar o Twitter, no ponto de vista da liberdade de expressão, vai ter muita gente se queixando”, apontou. Uma decisão nesse sentido também comprometeria a própria credibilidade do inquérito das milícias digitais, que já é alvo de questionamentos de diversos atores políticos dada a sua longa duração.
Por outro lado, Sathler considera esse tensionamento arriscado para a própria extrema-direita diante da dependência desse grupo político na plataforma. “Apesar das diversas tentativas de se criar um canal de comunicação próprio, o Twitter nunca deixou de ser o ambiente de maior repercussão da extrema-direita. Se a situação evoluir ao ponto de um fechamento, mesmo que temporário da plataforma, a comunicação deles sai perdendo”, relembrou.
Independente do conflito resultar ou não no encerramento da plataforma, a campanha de Musk garantiu, intencionalmente ou não, o acirramento da polarização nas eleições municipais, o que também beneficia a extrema-direita. Breno Guimarães, sócio do escritório de relações governamentais Impetus, ressalta que a tendência para outubro é de uma disputa “extremamente nacionalizada” e atrelada “à emoção dos eleitores”, aumentando assim o impacto de discussões sobre temas caros à sociedade como a liberdade de expressão.
Interesse local
A comunicóloga Letícia Oliveira, especialista em monitoramento de grupos de extrema-direita, ressalta que os ataques de Musk acontecem em um momento de maior interesse de lideranças da extrema-direita fora do país em assuntos domésticos.
“Há um esforço para desestabilizar as instituições brasileiras para obstruir uma eventual condenação de Bolsonaro na justiça. As declarações de Elon Musk vieram após um esforço de figuras como Benjamin Netanyahu em descredibilizar o atual governo na discussão em torno da guerra na Palestina e até mesmo do governo húngaro ao abrigar o ex-presidente na embaixada”, apontou.
Ela acrescenta que ações do tipo tendem a se intensificar na medida em que se aproximam as eleições presidenciais nos Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump tenta consolidar e proteger seus principais aliados internacionais, incluindo potenciais candidatos em países da área de interesse dos Estados Unidos.
Regulamentação das redes
Além de alimentar pautas de interesse da extrema direita, o atrito entre Musk e Morais trouxe um novo fôlego à discussão ao redor do PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, projeto apoiado pelo governo como proposta de regulamentação das redes sociais. Em entrevista à Globo News, o relator Orlando Silva (PCdoB-SP) chegou a anunciar que trataria do tema novamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para pautar o projeto em plenário.
O governo também intensificou as cobranças para que o texto seja votado, havendo manifestações tanto do líder da bancada na Câmara, José Guimarães (PT-CE), quanto do secretário de Relações Institucionais do Planalto, Alexandre Padilha, a respeito. A executiva nacional do PT também se pronunciou ressaltando a necessidade de se regulamentar as plataformas de rede social para evitar novos ataques à soberania por proprietários estrangeiros.
Apesar do reavivamento da discussão, o cientista político André Pereira César considera pouco provável que o projeto consiga ser aprovado em decorrência dos ataques de Elon Musk. “Sem dúvida, a conduta dele se transforma em um combustível para a argumentação em prol do projeto. Mas é importante afirmar que o governo ainda tem uma base pouco comprometida com questões sensíveis como essa, e até o momento, não houve manifestação dos partidos que formam essa base. Sem esse posicionamento, me parece pouco provável ver esse projeto aprovado no Congresso Nacional”, explicou.
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