Nos últimos 20 anos, a geração de emprego e a distribuição de renda variaram, para baixo ou para cima, na exata proporção do alinhamento dos governos com o mercado financeiro ou com o setor produtivo. Quando a convergência de preferência da equipe econômica (Fazenda e Banco Central) foi com o mercado financeiro, a renda e os empregos encolheram. Quando foi com o setor produtivo, cresceram. Nesse período, passamos por três fases bem claras.
A primeira fase, de total sintonia entre equipe econômica e mercado financeiro, corresponde aos oito anos do governo FHC e os primeiros anos do governo Lula (janeiro de 2003 a março de 2006), exatamente o período em que a Fazenda esteve sob a chefia de Antonio Palocci e o Banco Central sob a presidência de Henrique Meirelles.
Na segunda fase, compreendida entre o restante do primeiro e todo o segundo mandato de Lula, houve mudança nessa convergência: o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, alinhou-se com o setor produtivo e o presidente do BC, com o mercado financeiro. Foi nessa fase que começou a virada, quando o mercado financeiro perdeu um dos dois (até então) aliados da equipe econômica.
Na terceira fase – relativa ao governo Dilma, na qual a equipe econômica (Fazenda e BC) se alia ao setor produtivo –, é que efetivamente são criadas as condições para redução da taxa de juros e dos spreads bancários, com o conseqüente deslocamento do fluxo de recursos para o crédito, o consumo e a produção em detrimento da especulação financeira.
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Como se pode notar, a centralidade da agenda governamental é determinante numa direção ou noutra. Foi graças à convergência de preferência entre governo e o setor produtivo que o Brasil, apesar da crise internacional e do baixo crescimento econômico nos últimos dois anos, conseguiu manter e até ampliar os empregos, além de aumentar a renda dos assalariados.
Entretanto, essa conquista importante, que foi a redução da taxa de juros e do spread bancário (diferença entre a taxa de captação e a taxa de empréstimo dos bancos), agora corre risco. De um lado, pela pressão da mídia e do mercado financeiro pelo aumento da taxa de juros, e, de outro, pela oposição, que torce para que o governo sofra desgaste.
A pressão do mercado por aumento da taxa de juros, verbalizada pela imprensa sob o fundamento de defesa do controle da inflação, atende a três objetivos: desgastar o governo, aumentar o lucro dos rentistas e favorecer a oposição. E não há nada que contribua mais para deslegitimar um governo do que a redução do emprego e da renda, via aumento da taxa de juros e do spread bancário, porque atinge mais diretamente as classes C, D e E, exatamente as que mais se beneficiam com a aliança entre governo e setor produtivo.
A política, portanto, é que define quem ganha e quem perde na sociedade. O governo, dependendo com quem se alie, pode favorecer o povo ou grupos econômicos/financeiros. É que o Estado, dirigido pelo governo, possui o poder de regular as relações entre pessoas, entre instituições e entre aquelas e estas, e, dependendo do modo como regule, pode influenciar o nível de lucro de determinados setores da economia, além de controlar a formação dos preços na prestação de serviço objeto de concessão pública. E isso, numa economia capitalista, desde que não seja a seu favor, é rejeitado pelos agentes econômicos.
A tática de terrorismo inflacionário, a julgar pelo primeiro aumento na taxa de juros (Selic) neste mês de abril, deu resultado. O Banco Central, depois de bombardeado pela imprensa e pelo mercado financeiro, foi obrigado a aumentar os juros, sob pena de ser acusado de leniente (descuidado) com o controle da inflação ou de ter perdido a autonomia operacional, uma das simbologias que mais lhe dá mais credibilidade. Até o ministro da Fazenda e a presidente Dilma, temendo a desmoralização do banco frente aos fortes questionamentos, vieram a público reiterar a autonomia do BC para subir ou baixar a taxa de juros, independentemente da vontade do governo.
Se essa mudança de posição do BC – que antes reduzia e agora voltou a subir a taxa de juros – for mantida nas próximas reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), mesmo que o governo intensifique a política de redução de impostos e de desoneração de alguns setores da economia, o crescimento econômico e também do emprego e da renda podem ficar comprometidos. Ora, se o empresariado, mesmo com benefícios (incentivos monetários e fiscais), não fez os investimentos esperados, com o aumento de custo, a partir do aumento do juro e do spread bancário, dificilmente ampliará o investimento.
Aparentemente, com a volta do aumento da taxa de juros pelo Copom e a disposição da presidente de ampliar os incentivos monetários e fiscais ao setor produtivo, poderá haver dois movimentos contraditórios: um do governo, acelerando, e outro, do BC, puxando o freio de mão. Isso pode resultar em derrapagem, que é tudo o que os potenciais concorrentes da presidente Dilma esperam neste ano que antecede a sucessão presidencial.
Por fim, a pior coisa que pode acontecer a um governante bem avaliado, como é o caso da presidente Dilma, é a fragilização de um dos principais pilares que sustentam sua popularidade: a taxa de juros baixa, os programas e a geração de emprego e renda. Mais grave, ainda, num período de plena antecipação do processo sucessório. Como as mudanças de marcos regulatórios e de preços, especialmente no sistema financeiro e em setores de concessões públicas, não estão agradando nada aos rentistas e aos concessionários desses serviços, eles estão e continuarão utilizando a mídia para desgastar o governo. Todo cuidado será pouco.
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