O primeiro debate presidencial norte-americano, promovido pela CNN na quinta-feira (27), foi surpreendentemente ruim. O que não surpreendeu foram as mentiras, desinformações e xenofobia explícita de Trump. Ele não respondeu mais da metade das perguntas, as que respondeu, utilizou-se da mesma retórica populista de culpar os imigrantes por todos os males dos EUA: do desemprego, passando pela inflação ao aumento da criminalidade no país. O discurso neo-nacionalista-extremista da direita raivosa estava todo lá. A expectativa era de que, com os microfones sendo desligados, o presidente Joe Biden tivesse mais espaço para se blindar das interrupções de Trump e se aproveitar do contexto favorável; já que Trump foi recentemente condenado por ocultar pagamento à atriz de filmes adultos Stormy Daniels e aguarda audiência para definição de pena, com possível encarceramento.
Não foi o que ocorreu. Trump se “comportou” e seguiu as regras, mostrou energia e vitalidade. Biden, apenas três anos mais velho que Trump, enfrenta forte escrutínio público acerca da sua capacidade cognitiva desde o lançamento de sua campanha, se perdeu na primeira resposta, perdeu a linha de raciocínio, teve lapsos de memória e em muitos momentos foi incoerente e pareceu desorientado, perdeu muitas oportunidades de atacar Trump ou minimamente se contrapor as suas mentiras.
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Por diversos momento, Biden nem sequer usou seu tempo completo de fala. Claro que uma campanha inteira não pode resumir-se a uma noite de um debate ruim, ainda assim, como resultado da sofrível performance, o “pós debate” deixou de ter foco em diferentes visões e propostas dos candidatos para os EUA do século 21 ou mesmo em esforços para se esclarecer a enxurrada de mentiras de Trump, para ter foco, exclusivamente, na idade de Biden.
A escolha pragmática do partido Democrata em apostar no presidente Biden – o homem que barrou Trump em 2020 – para enfrentar o republicano pela segunda vez, a despeito de sua idade, foi posta em xeque mais uma vez. Analistas políticos de diversos meios (além de alguns financiadores de campanha) se manifestaram em uníssono: Biden é um excelente político, tem uma história política incrível, mas não é o candidato ideal para enfrentar o momento difícil que o país enfrenta. Trump é uma ameaça real e iminente à democracia liberal norte-americana. Pesquisas recentes do Estados Pêndulos (swing States) Norte-Americanos indicam uma leve vantagem de Trump sobre Biden. Neste cenário é muito importante para o partido Democrata mobilizar os eleitores ainda indecisos, mas que rejeitam Trump, a irem votar. É tempo de as pessoas mais próximas à campanha de Biden, a ex-porta-voz democrata Nanci Pelosi, Chuck Schumer, Hakeem Jeffries se reunirem e terem uma conversa franca. Se o que está na mesa é a manutenção da democracia no país, esta conversa precisa acontecer, urgentemente.
A difícil e honesta questão que o partido Democrata precisa enfrentar nos próximos dias é: a performance de Biden no debate foi apenas ruim ou é algo realmente ligado ao avanço da idade? Existe um candidato democrata pronto para assumir o lugar de Biden neste momento avançado da campanha presidencial, com chances de vitória sobre Trump em novembro? Esse candidato existe?
Biden já garantiu mais de 90% dos delegados do partido. A convenção Nacional Democrata está marcada para a terceira semana de agosto, e, em tese, sim, Biden pode renunciar espontaneamente de sua candidatura, o que forçaria a realização de eleições internas novamente. Seria um calendário um tanto caótico e uma situação sem precedentes, mas possível. Os dois candidatos mais óbvios para substituir Biden são Kamala Harris, a vice-presidente filha de imigrantes, e o governador da Califórnia, Gavin Newson. Newson é bom debatedor, mas sofre desgaste considerável pelos números ruins que seu estado tem apresentado, principalmente com relação à segurança pública: crise de pessoas sem teto e altas taxas de crimes violentos e homicídios. Já a atual vice-presidente Kamala Harris está atualmente em campanha por todo os Estados Unidos defendendo de forma aguerrida e incrivelmente qualificada os direitos reprodutivos femininos, talvez o assunto mais importante para o partido Democrata nestas eleições. Tema que Biden tratou de forma um tanto quanto atabalhoada no debate, mas extremamente estratégico: já que a defesa da pauta une republicanos liberais e democratas. Ao assistir ao triste debate de ontem, fiquei imaginando o quanto a afiada e exímia debatedora “jantaria Trump” em cada um dos assuntos propostos pelos debatedores. Principalmente nas questões sobre imigrantes: a partir de um olhar mais humano para a questão. A pergunta que me faço é: por que não Kamala?
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