“Países não tem amigos, países tem interesses” (John Foster Dulles)
Israel sofreu diversos reveses em termos de diplomacia internacional nos últimos dias, evidenciando cada vez mais seu isolacionismo no cenário internacional, o recente ataque a Rafah foi tão violento que Israel parece estar muito próximo de se tornar um “pária internacional”. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) acusou tanto Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, quanto três integrantes do alto escalão do Hamas de cometerem crimes contra a humanidade e expediu pedidos de prisão internacional. Essa acusação veio dias depois de Espanha, Irlanda e Noruega reconheceram a criação de um Estado Palestino independente.
A ministra da Defesa da Espanha, Margarita Robles, sem rodeios, classificou o conflito como um verdadeiro genocídio. Robert Habeck, vice-chanceler alemão, de origem judia, declarou que a ofensiva israelense em Rafah é incompatível com as leis internacionais. Posicionamentos com os quais o presidente em exercício dos Estados Unidos, Joe Biden, não compactua.
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Se olharmos para o posicionamento de Washington com relação ao conflito Israel-Hamas numa linha do tempo, partimos de um primeiro momento de muito sensibilização da população norte-americana, que comparou de uma maneira bastante emocional o ataque terrorista do Hamas a Israel aos ataques às Torres Gêmeas norte-americanas, claramente uma ferida foi reaberta. Neste momento de comoção, o apoio, tanto diplomático quanto militar de Biden a Israel, aliado norte-americano de longa data, foi automático.
Com o decorrer do conflito e o aumento de mortes da população palestina cada vez mais desproporcional (hoje na ordem de 36 mil palestinos mortos *), além dos ataques a hospitais e civis e o agravamento da fome e da inanição em Gaza, Biden migrou de um alinhamento automático para um posicionamento mais pragmático. “No caso do conflito Israel-Palestina, os Estados Unidos se encontram num dilema: apoiar ou não apoiar Israel? Pragmatismo ou adesinismo? Este alinhamento automático a Israel tem sido, historicamente, uma tônica da política externa norte-americana ao longo do século 20 e, principalmente no século 21. Biden sabe que qualquer escolha feita implica efeitos sobre a opinião pública. A impressão que dá é que hoje Biden não tem adotado nem um pragmatismo, nem um adesismo, trata-se um comportamento dúbio, muito ambivalente”, analisa José Renato da Silveira, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Esse “pragmatismo de Biden” parece ser somente retórico. Na prática, com apoio do poderoso Comitê de Políticas Públicas de Israel em Washington, Biden autorizou bilhões de dólares em armas letais, como bombas (MK84 e MK82) e 25 jatos de combate F-35A, informações de fontes não oficiais, pois existe muito pouca transparência sobre detalhes das armas americanas enviadas a Israel, postura diferente da transferência de armas à Ucrânia, na qual há uma grande preocupação acerca das armas transferidas, o potencial de letalidade dessas armas e também no sentido de que nenhuma arma americana seja efetivamente usada em território russo.
Biden se recusa a chamar a invasão de Israel a Gaza de genocídio, vetou por três vezes o pedido de cessar-fogo enviado pelo Conselho de Segurança da ONU e condenou a resolução da Corte Internacional de Justiça com a justificativa de que houve “falsa equivalência” entre Hamas e o governo de Israel com relação às acusações de crimes de guerra. “O ICJ, no entanto, condenando as duas partes, não comete ‘falsa equivalência’, mas acerta ao expressar que crimes de guerra cometidos de um lado não justificam crimes de guerra cometidos pelo outro lado. Nenhuma declaração de ‘defesa própria’ justifica cometer-se crimes de guerra. O direito de defesa de Israel é inequívoco, a questão é COMO Israel está se ‘defendendo'”, pontua José Renato da Silveira.
Domesticamente, Biden enfrenta manifestações anti-guerra em muitas das principais universidades norte-americanas, além de encontrar dissidência dentro de seu próprio partido. O senador Bernie Sanders, muito popular entre o eleitorado democrata, universitário e mais progressista, tem se declarado abertamente contra a política norte-americana em Israel. Sanders não é a única voz a condenar o posicionamento de Washington com relação a Israel. O principal democrata do Senado, o senador judeu Chuck Schumer, discursou recentemente no plenário do Senado pedindo a condenação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e eleições para substituí-lo. Seu discurso reflete o nível de insatisfação crescente dentro do partido Democrata. O discurso de Schumer aconteceu um dia antes de o senador republicano John Barrasso convidar Netanyahu para uma fala oficial aos Republicanos no Senado. Os republicanos tentam cada vez mais capitalizar politicamente as divisões do partido Democrata sobre o conflito em Israel, colocando-se como os verdadeiros defensores dos judeus nos Estados Unidos e do governo democraticamente eleito de Benjamin Netanyahu e seu legítimo direito de defesa contra o Hamas.
Assumir uma escolha clara, haja vista um conflito complexo como este é difícil e delicado, uma vez que o governo americano tem uma postura de longa data de apoio irrestrito a seus aliados. Porém, não assumir uma postura clara, principalmente após a recente e sangrenta invasão a Rafah em curso, tão condenada pelo próprio Biden e pela comunidade internacional, torna-se cada vez mais uma tarefa impossível. Como conciliar a negação de crimes de guerra da parte de Israel e manter um porto e ajuda humanitária na região juntamente a outras organizações internacionais de combate à fome? Como declarar-se domesticamente um presidente que presa pelo “rule of lawn” ou Estado democrático de Direito, mas não reconhecer as leis internacionais e os crimes de guerra claramente cometidos por Israel contra a população civil em Gaza? Qual é a “linha vermelha”?
Num ano eleitoral com cenário tão competitivo entre Trump e Biden, assumir uma posição clara com relação a Israel, para além do “pragmatismo retórico” de Biden, pode ser difícil, por outro lado, não escolher um posicionamento claro neste momento pode custar-lhe muito mais caro. Talvez as eleições.
* Estimativa de autoridades de Saúde em Gaza.
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