Daqui a 69 dias, espera-se que o democrata Joseph R. Biden Jr. tome posse como o 46º presidente dos Estados Unidos, em uma cerimônia que será acompanhada com interesse pelo mundo todo. Até lá, Joe Biden deve indicar nomes quem serão os secretários de seu gabinete – cargos com atuação próxima aos ministérios que temos por aqui. O cargo de secretário de Estado, um dos mais cobiçados, ainda segue em aberto – e o nome a ser escolhido interessa diretamente ao Brasil.
Como conselheiro do presidente para assuntos internacionais, cabe ao secretário de Estado o controle da política externa da maior potência mundial, assim como a aplicação desta política com todos os países do globo. Da venda de equipamento militar a sanções a serem impostas, o papel do secretário de Estado é central no governo.
Para ficar em exemplos recentes, Colin Powell, que ocupou o cargo durante o primeiro mandato de George W. Bush (2001-2005) coordenou a invasão do Iraque em 2003; Hillary Clinton, secretária entre 2008 e 2012 no governo de Barack Obama, visitou 112 países e atuou durante a morte de Osama Bin Laden; e Mike Pompeo, que ocupa o cargo desde 2018, esteve na fronteira do Brasil com a Venezuela para pressionar o governo de Nicolás Maduro em setembro deste ano.
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A bolsa de apostas aponta para um nome favorito, de Susan Rice: a ex-assessora de segurança nacional de Obama tem experiência na administração federal e agrada ao partido democrata – mas poderia ter seu nome rejeitado pelos republicanos no Senado, com quem já teve uma relação conturbada. Outros nomes cotados nos veículos de imprensa local são o do senador Chris Coons e o veterano da diplomacia norte-americana Bill Burns.
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O nome a ser escolhido deverá demorar para aplicar suas políticas na prática, uma vez que o próprio gabinete do republicano Donald Trump, que perdeu a eleição, ensaia não aceitar a derrota. “Quando eles tiverem as informações que precisam ter, surpresas eles terão sobre sucateamento e funcionamento da máquina, e onde estão os documentos para gestar as secretarias”, diz Fabrício Pontin, que é professor no departamento de Direito e Relações Internacionais da Universidade LaSalle, no Rio Grande do Sul. “Não creio que isso seja algo bem conduzido, e veremos as consequências nisso nas ações que o Biden fará nos primeiros meses de governo. Parte da equipe estará imobilizada tentando entender por onde começar a operar a máquina.”
PublicidadeIndependente da escolha e do tempo que demore, uma mudança de rumo bem clara na política externa norte-americana está a caminho: “Há uma diferença fundamental, que é reassumir o relacionamento mais profundo com organismos internacionais como a OMC, a OMS, a ONU e o Acordo de Paris”, explicou o professor da George Washington University, Maurício Moura. “É uma abordagem mais próxima do multilateralismo.”
Maurício apontou que a busca por uma política externa multilateral é fácil de ser aplicada pelo governo Biden, uma vez que tais acordos de política externa não passam pelo Congresso. Por conta disso, a política externa é um dos pontos onde Biden mais deve agir em contraponto ao governo Trump. “De verdade, a presidência da República americana serve para nada além de implementar a política externa”, relembrou Fabrício, atribuindo a frase ao ex-presidente John F. Kennedy (1961-1963).
A relação com o Brasil também deve ter correções de rota a partir de janeiro do ano que vem: com um governo que é ideologicamente desalinhado ao seu, os Estados Unidos e seu futuro ou futura secretário(a) de Estado devem aumentar a pressão contra Jair Bolsonaro e sua política ambiental, comandada por Ricardo Salles.
Biden chegou a mencionar diretamente o país durante a campanha presidencial. No primeiro debate com Trump, no final de setembro, ameaçou sanções ao país, e prometeu também integrar um fundo de US$ 20 bilhões para proteção das florestas brasileiras. No site do seu governo de transição, Biden afirmou que as mudanças climáticas serão uma de suas quatro prioridades, e que os EUA pressionarão para que outras nações relevantes aumentem as suas metas de proteção ambiental.
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Um dos que passariam a perder com um governo Biden seria o chanceler Ernesto Araújo. Na visão de Fabrício Pontin, um Ministério de Relações Exteriores brasileiro baseado em uma visão de “defesa do ocidente” deve deixar de ter sentido existencial a partir de agora. “Felizmente a política internacional não comporta mais esse tipo de bobagem – e estes caras estão tomando um banho de água fria”, disse, referindo-se a Araújo e também a Filipe Martins, que ocupa o cargo de Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República.
Apesar de democratas e republicanos divergirem no perfil de escolha de seus secretários, Maurício acredita que a relação entre Brasil e EUA deve se manter como está, com uma atuação focada em interesses nacionais. “O Departamento de Estado é movido por um pragmatismo maior do que se possa imaginar”, afirmou o professor. Com isso, uma eventual mudança nas relações “depende mais da diplomacia brasileira que da norte-americana.”
O pleito americano e a reação do presidente Bolsonaro deixam uma lição ao estado brasileiro. “Fica a reflexão [ao governo brasileiro] sobre qual o benefício de se posicionar em eleições locais”, ponderou Maurício, da George Washington University. Ele mesmo respondeu: “não vale se posicionar em eleição nenhuma.”
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