Capitão no exército israelense e veterano da Guerra do Yom Kippur, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, construiu sua carreira política com base no discurso de linha dura no tratamento com a população e os grupos armados palestinos, postura que lhe garantiu cinco mandatos como mandatário em seu país. A recente escalada da guerra contra o Hamas, porém, o empurrou para uma posição de fragilidade, conforme aponta Karina Stange Calandrin, pós-doutora em relações internacionais pela Universidade de São Paulo, professora da Universidade de Sorocaba (UNISO) e analista do Instituto Brasil-Israel.
“A linha dura na política externa e com os povos palestinos sempre foi o aspecto forte do governo Netanyahu, sempre foi o que fortaleceu sua política. (…) Essa política dura, muito cruel para com os palestinos, agora representa uma perda. Esse trunfo, que sempre foi uma bandeira forte do seu governo, foi por água abaixo”, explicou a pesquisadora.
Além de prejudicado pela própria escalada do conflito, Netanyahu também se vê ameaçado pela forma com que aconteceu o primeiro avanço do Hamas, no último sábado (7). O aparato de inteligência israelense fracassou em prever o ataque e houve uma demora de ao menos cinco horas para o governo preparar uma resposta, o que resultou em um grande número de mortes de civis.
“Ele sempre se mostrou como uma figura capaz de manter os israelenses seguros. Isso inclusive foi dito abertamente em propagandas políticas, que ele conseguia ‘manter as crianças seguras’. (…) Seu governo já estava fragilizado por questões internas, e a situação agora tende a se agravar”, avalia Karina Calandrin. Eleito em 2022, Netanyahu governa junto a uma coalizão de partidos de direita e extrema-direita que também se sustentam por meio do discurso de repressão aos palestinos.
Consequências políticas
Em um mandato marcado pelo isolamento em relação aos setores moderados e progressistas no parlamento israelense e pela dependência no apoio de grupos fundamentalistas, Netanyahu já enfrentava dificuldades antes da guerra para preservar a força de sua posição como primeiro-ministro. Karina Calandrin antecipa que essa dificuldade tende a se agravar, mas não deve evoluir, no curto prazo, para medidas extremas.
“Os partidos que estão hoje com ele no governo são os de extrema-direita, os mais ortodoxos. Eu não vejo agora uma perda de maioria, mas ele vai sofrer muita pressão e muito escrutínio, podendo perder ainda mais popularidade. Com isso, podem ser desencadeados outros efeitos, que no futuro podem resultar em uma moção de desconfiança na Knesset [parlamento israense]”.
A moção de desconfiança, ou moção de censura, é um instrumento utilizado por blocos de oposição em sistemas parlamentaristas para manifestar oficialmente a insatisfação do Legislativo em relação ao primeiro-ministro. Se aprovada, o governo é obrigado a apresentar soluções para recuperar sua maioria, podendo inclusive indicar um outro nome para assumir a liderança. Caso não consiga alcançar o consenso, novas eleições são convocadas para o parlamento.
Apesar da possibilidade de apresentação da moção de desconfiança por parte de seus opositores, o que enfraqueceria ainda mais a força política de Netanyahu, a professora de relações internacionais pondera que esta dificilmente seria capaz de derrubar de vez o seu governo, resultando em um impacto muito mais simbólico do que material.
Reforma judicial enterrada
Antes da guerra contra o Hamas começar, a principal preocupação de Netanyahu na política interna israelense dizia respeito à sua proposta de reforma do Poder Judiciário. Apesar de aprovada na Knesset, a nova lei enfrentava e enfrenta dura oposição popular, o que deu início a uma onda generalizada de protestos ao redor do país desde o início do segundo semestre de 2023.
O principal ponto da reforma é o enfraquecimento da Suprema Corte de Israel, principal freio para as decisões de seu governo. A proposta, aprovada mesmo com boicote da oposição, prevê a retirada do judiciário do poder de revogação de decisões irracionais por parte do Executivo, considerado um dos principais contrapesos à autoridade de quem estiver ocupando o cargo de primeiro-ministro.
“Essa lei representa a possibilidade do fim da democracia israelense. Agora essa reforma não vai acontecer, a discussão não será prolongada. Agora, quando chegar o fim da guerra, se esse tema ressurgir, será uma pauta com um fôlego muito menor graças ao conflito, que está enfraquecendo muito o Netanyahu”, ressaltou Karina.
Apesar do enfraquecimento no curto prazo, Karina alerta que é difícil prever como a guerra pode afetar Netanyahu ao longo dos próximos anos. O conflito abalou duramente sua popularidade, mas seu atual mandato recém começou, contando ainda com três anos de governo até a próxima eleição. Se fosse repetido no atual momento, porém, ela não tem dúvida de que o pleito entregaria um resultado desfavorável ao primeiro-ministro.
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