Neste domingo (19), a população da Argentina vai às urnas decidir o resultado do segundo turno das eleições presidenciais, disputada pelo peronista Sergio Massa, aliado do atual presidente Alberto Fernández, pela coligação Unión por la Patria; e Javier Milei, em uma candidatura de extrema-direita pela coligação La Libertad Avanza. O cenário, um mês depois do fim do primeiro turno, permanece de impasse entre os dois.
O cientista político Bruno Marcondes, que estudou in loco a formação da campanha de Milei, explica que há um equilíbrio de vantagens competitivas para ambos os lados. Esse equilíbrio se reflete nas pesquisas eleitorais do país, não havendo consenso entre os institutos de pesquisa sobre qual candidato levará vantagem no segundo turno. Além disso, todos os resultados mostram que, seja qual for o vencedor, o resultado será apertado, tal como aconteceu no Brasil em 2022.
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De um lado, Javier Milei leva em seu favor o cansaço de grande parte da população argentina com a crise econômica do país, com inflação galopante acumulada ao longo de décadas. “A questão econômica é o principal fator ao seu favor. Milei quer ser o primeiro presidente da Argentina formado em economia. Ao longo dos 200 anos desde a independência do país, nunca houve um presidente economista, e ele tenta vender essa imagem de salvador das finanças”, explica Marcondes.
Apresentando um programa radical, pautado na eliminação de mais da metade dos ministérios do país e do próprio Banco Central argentino, Milei alcançou o apoio da ex-candidata Patrícia Bullrich, que alcançou o terceiro lugar no primeiro turno, e carrega consigo o apoio do eleitorado do ex-presidente Maurício Macri, cujo governo também se contrapôs ao peronismo.
Do outro lado, Sergio Massa conta com apoio institucional do atual governo, dos partidos regionais do país e podendo utilizar a máquina pública a seu favor. Na pauta econômica, ele ainda tem um trunfo: a política de subsídios adotada para o enfrentamento das consequências da crise econômica.
“Graças à crise, a Argentina adota, há muito tempo, uma política de subsídios em alguns setores estratégicos, como transportes, energia elétrica, abastecimento de água e gás de cozinha. Apesar da inflação galopante, Sergio Massa tem conseguido trabalhar muito a proposta de preservar os subsídios, de evitar com que a população precise pagar uma fortuna, por exemplo, em uma passagem de ônibus ou metrô”, apontou o cientista político. Essa proposta vai na contramão da corrente ultraliberal defendida por Milei.
Estratégias retóricas
Milei e Massa também se equilibram em estratégias discursivas para descredibilizar o respectivo rival.
A campanha de Sergio Massa explora a relação de proximidade entre Javier Milei e a família Bolsonaro, que formou uma aliança próxima com o candidato de extrema-direita. O peronista, que conta com brasileiros em sua equipe, relembra os ataques do ex-presidente brasileiro às instituições locais, bem como sua gestão da pandemia da covid-19, com atos constantes de sabotagem às medidas de prevenção e esforços para impedir a vacinação.
Outro caminho adotado por Massa é relembrar episódios em que a saúde mental de Milei foi questionada, como no final de outubro, quando o candidato afirmou estar ouvindo vozes durante uma entrevista de televisão em um estúdio silencioso. Em um debate, Sergio Massa chegou a propor que os dois realizassem um exame psicotécnico.
“Esse caso foi bastante utilizado para descredibilizar o Milei, tentar deixar muito claro que ele é louco, que acumula problemas psicológicos. É uma estratégia bastante suja, mas que hoje é constante em disputas polarizadas”, afirmou o observador. Na contramão, Javier Milei adota um discurso parecido, buscando associar Sergio Massa ao consumo de drogas, em especial a cocaína. Esse tipo de retórica, porém, Marcondes considera ineficaz contra a parcela de eleitores leais de Massa.
O foco dos discursos de Milei não é a reputação de Massa, mas sim a própria Justiça eleitoral da Argentina, replicando a retórica bolsonarista. Esse esforço pode trazer consequências para além das eleições. “Se Milei for derrotado, não há dúvida de que seus eleitores vão alegar fraude, tal como fizeram os eleitores de Bolsonaro após a vitória de Lula”, alertou o especialista.
Um movimento parecido com o que invadiu as sedes dos três poderes do Brasil em 8 de janeiro, porém, é pouco provável na Argentina. “Após a ditadura militar, os argentinos passaram por um trabalho cultural e educativo muito forte para acreditar na democracia, e dar muito valor a ela. Os argentinos podem questionar as eleições caso Milei seja derrotado por uma margem muito pequena, mas são apegados demais à democracia para atentar de forma tão direta contra ela”, avalia Marcondes.
Impacto no Brasil
O Brasil é, atualmente, o segundo maior parceiro comercial da Argentina, tendo fornecido mais de 19% das importações ao país em 2022. Essa parceria também acontece no meio político, sendo os dois países as forças dominantes dentro do Mercosul e tendo o Brasil conseguido articular a entrada do vizinho ao sul para o bloco dos Brics+.
Em caso de vitória de Sergio Massa, Bruno Marcondes antecipa que a tendência é de continuidade na forma com que os dois países se relacionam. Uma vitória de Milei, por outro lado, seria um tiro no escuro. Por um lado, o candidato adota um discurso abertamente hostil ao presidente Lula. Por outro, sua equipe de campanha fez acenos ao Itamaraty, indicando se tratar de uma hostilidade apenas retórica e eleitoral.
A principal preocupação de Bruno Marcondes diz respeito ao tratamento proposto por Milei ao Mercosul. “Existe um certo desgaste entre Argentina e Uruguai, e caso ele ganhe, não há dúvida de que também vai haver desgaste com o Mercosul, deixando o bloco ainda mais paralisado”, ressaltou.
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