A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa concluiu seus trabalhos há três meses, com um relatório inédito que abalou as estruturas da sociedade de Portugal, sobretudo das pessoas mais ligadas à instituição religiosa. Foi em um país onde a maior parte da população é adepta do catolicismo que a comissão mergulhou nos abismos de denúncias há décadas escondidas sob o tapete da sacristia. Estima-se que 4,8 mil crianças e adolescentes tenham sido abusadas sexualmente por clérigos desde 1950.
Em um ano, a comissão mapeou mais de 500 testemunhos de vítimas de abusos cometidos por religiosos da Igreja Católica, todas com o aval do Vaticano, que, em um processo engenhosamente orquestrado, costuma remanejar padres que cometem crimes sexuais contra crianças e adolescentes para diferentes paróquias do mundo. Entre os países mais demandados para abrigar esses criminosos está o Haiti, que ao longo do anos se transformou em um porto seguro para padres pedófilos de todo o mundo. Foi nesse cenário, em que as vítimas tiveram ao longo de anos suas dores escondidas, que a equipe da Comissão Independente de Portugal se debruçou.
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Comandada pelo médico psiquiatra Pedro Strecht, a comissão iniciou seus trabalhos em janeiro de 2022, em um processo semelhante ao que tinha sido realizado na França no ano anterior. Teve, desde o início, o apoio de parte da Igreja Católica, mas Pedro Strecht admite que, nem sempre, os investigadores conseguiram todos os respaldos. O acesso aos documentos guardados nos arquivos secretos da Igreja Católica, por exemplo, só foi liberado em outubro do ano passado, um mês antes de serem encerradas as coletas de depoimentos para a realização do relatório.
“Tivemos que limitar o recebimento dos depoimentos e, depois, correr para analisar os documentos o máximo que conseguimos. Um mês era muito pouco”, contou ele, em uma das várias horas de conversa que teve nas últimas semanas com a equipe do Congresso em Foco.
Pedro sabia que ele e seus colegas de comissão corriam contra o tempo. E que também não tinham como prever quais resultados o trabalho teria. Os crimes de violência sexual relatados pelas vítimas, todas já adultas, prescreveram. E não há provas em grande parte, além do depoimento. O impacto do relatório, por si só, causou um tremor na sociedade portuguesa.
Mas Pedro sabe que, judicialmente, poucos devem avançar, ainda que algumas denúncias tenham sido encaminhadas ao Ministério Público. Ainda assim, ele espera que o exemplo de Portugal, assim como da França, possa ser reverberado no Brasil a fim de que os casos de violência cometidas por religiosos da Igreja Católica venham à tona e, com isso, novas violências possam ser evitadas.
“O que buscamos é que a Igreja Católica cumpra seu dever moral de denunciar, e não esconder o que acontece”, disse ele.