Anastasio Somoza Garcia, fundador da dinastiaa com seus filhos, Luis e Anastasio Somoza Debayle, em parada militar em Tiscapa em 1950 (Arquivo histórico do IHNCA)
Manágua (Nicarágua) – Brincando com cartuchos de AK-47 na rua em que costuma encontrar os amigos todos os dias, Ricardo Dávila não tinha a menor noção, aos 11 anos, do que tinha acontecido horas antes ali perto na Praça da Revolução em Manágua. Cinco anos depois, quando estava há dois meses de completar 16, é que Ricardo tomou consciência do que se passou no seu país naquele 19 de julho de 1979 e deixou projétis espalhados por todo lado na frente da sua casa. Flagrado quando tentava sair do país e ir ao encontro de parentes em San Pedro Sula, em Honduras, ele foi obrigado a seguir direto para treinamento militar e se incorporar ao Exército Nicaraguense. Naquele momento, em 1989, os sandinistas lutavam contra mercenários, nicaragueses e hondurenhos que passaram para o outro lado e engrossaram a contrarrevolução bancada e armada pelos Estados Unidos.
“Foi lá que eu chorei pela primeira vez de verdade, pois não é fácil ver tanta morte com os próprios olhos e a cerca de 25 metros do seu inimigo”, relembra Ricardo. Depois de dois meses em treinamento na capital, ele foi enviado para a frente norte da batalha na cidade de Wiwili, na fronteira com Honduras, justamente pela tentativa de fuga do serviço militar obrigatório que tinha sido instituido pelo primeiro governo sandinista. “Foi como um castigo, me disseram, por tentar sair do país. Essa frente era uma das mais perigosas”, lembra.
Sua função no começo era apenas carregar a munição de um cubano, pois não podia nem com o peso do AK-47. Mas quando os combates se intensificaram teve que atirar de qualquer jeito. Ele também lembra de ver a morte de um companheiro de perto. “Num acidente na selva, um tanque resvalou num soldado amigo e arrancou as duas pernas dele. Por ordem do comandante do nosso pelotão, meu amigo foi fuzilado, pois tinha muita dor e não era possível retirá-lo da selva”, diz. “Foi uma das coisas mais horríveis que já vi”, relembra Ricardo.
Essa seria a segunda vez que o jovem soldado se confrontaria com a morte. O pai e o tio, guarda-costas do ditador Anastacio Somoza Debayle, tinham sido mortos em atentados promovidos, segundo ele, pela Frente Sandinista quando ele tinha apenas 4 anos. Somoza tinha seu pai como braço direito, diz Ricardo. Ele teria sido morto enquanto caminhava pelas ruas de Mánagua a caminho de casa com seu carrocho pastor alemão.
“Meu pai era como braço direito do Somoza. Ele não andava de carro, sempre dizia que era preciso se manter em forma”, relembra hoje o motorista de táxi, que nas horas vagas faz videos e fotos para festas de aniversário em Manágua. Ricardo também lembra que Somoza ficou impressionado com o porte atlético do seu pai durante um jantar num restaurante na capital. O pai de Ricardo era supervisor da empresa de segurança que cuidava do estabelecimento.
Quando seus chefes na frente sul se deram conta de que Ricardo tinha boa pontaria, apesar de ter muita dificuldade para segurar a arma, ele foi transferido para um helicópetero e lutou cerca de seis meses até ser acordada a paz em 1990.
Ligado em tudo que se fala em política na capital, Ricardo é um crítico da administração de Daniel Ortega apesar de reconher alguns avanços na área social. “O problema desse governo é que essa ideologia não vai nos levar a lugar algum. O que vamos ganhar nos metendo nesse golpe em Honduras?”, questiona. Para o motorista de táxi, Ortega não pode mais continuar sobre os auspícios do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. “O que vai acontecer se Ortega não conseguir se reeleger, ao tentar mudar a Constituição, ou alguém do seu partido? Sem a Frente vamos ter novos apagões de energia”, preocupa-se o ex-combatente do Exército Nicaraguense.
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