O sapo e o escorpião
Certa vez, um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio.
O escorpião vinha fazer um pedido:
“Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?”
O sapo respondeu: “Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu vou ficar paralisado e vou afundar.”
Disse o escorpião: “Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos.”
Confiando na lógica do escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio.
No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo.
Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: “Por quê? Por quê?”
E o escorpião respondeu: “Porque sou um escorpião e essa é a minha natureza.”
A Folha de S. Paulo de 04.07.13, página A11, cumprindo seu papel vigilante, noticiou que Henrique Alves mandou um avião buscar sua família em Natal (RN) para assistir ao jogo do Brasil no Rio de Janeiro. Renan Calheiros usou um avião para ir a um casamento. O ministro Garibaldi Alves Filho também foi ao jogo. São escorpiões. É da natureza deles o uso o da coisa pública, como se fosse bem privado. Patrimonialismo. Grande parcela do Brasil está mobilizada contra esse tipo de malversação do dinheiro público. Mas nada adiantou. É da natureza dos escorpiões políticos cravar o seu ferrão nas contas públicas, para satisfação de prazeres privados. Por conta disso tudo, não podemos esmorecer.
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No livro Ejemplaridad pública (Madrid: Taurus, 2009), Javier Gomá Lanzón procurou descrever as virtudes do político e do administrador público [para não incorrer em improbidades puníveis pelas leis], sublinhando que o “eu” (o estilo, o desempenho desse gestor da coisa pública) depende (a) dos costumes da polis (das cidades, das urbes) assim como (b) da orientação (de vida, de liberdade) que é dada em direção à virtude: mores (costumes) e virtus (virtudes).
De uma certa maneira tudo isso já estava presente na obra de Aristóteles (Ética a Nicômaco), que gira em torno da seguinte ideia: “Toda ação está dirigida a um fim, como toda função se inclina para um bem; o fim supremo do homem, perfeito e suficiente, é a felicidade; a ação humana que tem como finalidade a felicidade é a virtude perfeita ao longo de toda vida”.
Se é dos costumes que nasce a ética, não se pode esperar do homem público vulgar um comportamento ético (e exemplar) se o seu meio, se o seu ambiente vital e profissional, respira maus costumes (corrupção, malandragem, apadrinhamento, patrimonialismo, nepotismo, fisiologismo, ganhos por fora, enriquecimento ilícito, compra de votos etc.). Como esperar virtuosidade [probidade] do homem público vulgar se a virtude não reside num só ato e sim num estilo de vida, numa forma de “viver e de envelhecer”?
A polis (para Aristóteles), mais que local para se assegurar a sobrevivência, seria o lugar para se viver bem e para praticar a virtude. Mas como esperar virtude de quem não é favorecido por um ambiente são, reto, correto? Uma das maiores crises da moderna democracia reside justamente na ausência (quase total) de costumes sãos, virtuosos, na polis.
Diante da ausência de costumes moralizadores, que por si sós poderiam gerir a vida em comunidade, surge a necessidade da elaboração das leis, regidas pela lógica da coerção, da sanção (não porém da observância espontânea, que derivaria de um conjunto de bons costumes).
Houve uma época em que não havia Direito escrito (ius non scriptem, sine litteris). Hegel afirmava a superioridade dessa época, em relação à atual (onde abundam as leis). Rousseau afirmou: “Licurgo estabeleceu costumes que quase dispensavam agregar a eles leis. As leis (…) contêm os homens, sem mudá-los”.
O que muda (ou orienta) o comportamento humano em profundidade não é a lei, mas sim o costume (a ética). Faltando os costumes (a moralidade social), só resta esperar que a lei cumpra o papel de punir (coerção) os desvios assim como a de irradiar entre a população a sua força (“pedagógica”) moralizadora. Os costumes retos são muito mais profundos porque, mais que orientar o comportamento individual ou coletivo, “educam o coração”.
Houve um período histórico em que os costumes chegavam a derrogar as leis (“vincere rationem et legem”, como afirmava o imperador Constantino). Mas não é esse o momento que vive o Direito na atualidade, sobretudo depois do iluminismo (século XVIII), que deu ênfase à legalidade (todo direito está fundado na lei) e à codificação (esta sendo obra, sobretudo, de Napoleão).
Pouco espaço ficou reservado para os costumes, como fonte do Direito, depois da eclosão do legalismo estatal (ou estatismo legalista), que foi secundado por Kelsen (que identificava a lei com a democracia, a lei com o Direito, a legalidade com a legitimidade).
A função pedagógica que a lei (com pretensão de durabilidade) deve desempenhar, agora mais que nunca (tendo em vista as sociedades complexas em que vivemos), inclusive nas democracias modernas, só se consegue quando os seus termos estão em consonância com as aspirações (razoáveis) arraigadas da população. Nesse caso, a lei desenvolve pautas de conduta louvadas por todos, sendo seus desvios não só juridicamente senão, sobretudo, moralmente reprovados.
Se a Lei de Improbidade Administrativa no Brasil não atingiu ainda seu potencial máximo de efetividade, seguramente é porque, dentre tantos outros fatores, falta-lhe uma sólida base consuetudinária. “As leis são sempre vacilantes quando não se apóiam nos costumes; os costumes formam o único poder resistente e duradouro do povo” (dizia Tocqueville).
“As leis, sem os costumes, são vãs”, dizia Horácio. Mas que tipo de costumes deve orientar a boa aceitação das leis? Claro que os costumes genuinamente democráticos (construtivos, cívicos, civilizadores).
No que diz respeito à virtude, Javier Gomá Lanzón propõe como hipótese de trabalho (como tese), a sua redefinição: de “virtude-participativa” (de Aristóteles) para “virtude-exemplaridade”. Não lhe parece correto separar a vida privada da vida pública, a casa e o trabalho da gestão pública.
Cícero inseria, dentro do conceito de honestidade, quatro componentes: (a) sabedoria, (b) magnanimidade, (c) justiça e (d) decoro – decorum. Javier Goma propõe dar ao decoro o sentido de exemplaridade, como “uniformidade de toda vida e de cada um dos atos” (como dizia Cícero).
Do administrador público, eleito ou concursado, o que se espera hoje, no mundo moderno e complexo em que vivemos, é que seja sábio, magnânimo, justo e honesto, ou seja, exemplar. Quem foge desse padrão não só quebra a confiança que lhe foi depositada (pelos titulares da soberania democrática), como incorre em desvios sancionados pela lei (pena que a lei, no nosso país, não tenha a eficácia que se espera dela).
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