Após fazer alterações no texto enviado pelos deputados, o Senado devolveu esta semana à Câmara o projeto de lei que dá nova redação, mais flexível, à atual Lei de Improbidade Administrativa, em vigor desde 1992. Durante a discussão no Senado, parlamentares se mostraram incomodados com o fato de que a proposta, além de aliviar atos ilícitos de agentes públicos em todo o país, poderia beneficiar diretamente o seu principal articulador: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) reclamou que poderia estar votando algo “direcionado”; Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que a proposta, se aprovada, poderia afastar o Congresso do cidadão comum e levar ao arquivo 40% dos casos de improbidade. Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apelidou o dispositivo de “in dubio, pro Lira”, um trocadilho com in dubio, pro reo (na dúvida, em favor do réu), que norteia o direito penal brasileiro.
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Lira responde a dois processos por improbidade administrativa por sua atuação como deputado federal e estadual e, em ambos os casos, o texto da nova lei poderia beneficiá-lo por conta da chamada “prescrição intercorrente”, quando vence um determinado prazo para que o Judiciário analise o caso.
A nova redação garante que “a ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em oito anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência”. Caso haja morosidade do Judiciário em analisar o caso, o prazo cai pela metade. O texto diminui muito o poder da lei, que atualmente permite que a ação seja apresentada até cinco anos após o final do mandato – hoje não há, na Lei, menção à prescrição no meio do processo.
Lira tem, contra si, duas frentes abertas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por atos de improbidade administrativa: uma envolve sua participação em um esquema de suposto desvio de verbas públicas na Assembleia Legislativa de Alagoas, onde foi deputado entre os anos de 2003 e 2006. O presidente da Câmara é acusado de ter comandado, na época, uma operação de redução da folha salarial para obter empréstimos bancários.
O então deputado estadual foi condenado em segunda instância pelo crime de improbidade administrativa e foi obrigado a devolver R$ 182 mil aos cofres públicos, mas recorreu à corte superior, que ainda não julgou o caso.
O segundo caso, mais complexo e famoso, envolve sua citação no esquema de corrupção da Petrobras, desbaratado pela Operação Lava Jato. Lira é suspeito de ter comandado uma negociação entre uma empresa que fornecia fornos à refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e agentes públicos, movimentando R$ 1,9 milhão em 2011. Por conta disso, o partido de Lira, o PP, garantiu que Paulo Roberto Costa fosse mantido na direção da estatal. O caso também tramita no STJ, pendente de julgamento.
O advogado Willer Tomaz, que defende Lira, disse ao Congresso em Foco que as ações contra Lira estão suspensas. “Todas as ações de improbidade que tramitam em face do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, estão suspensas por determinação do Supremo Tribunal Federal justamente pela fragilidade dos elementos de prova, questão que, inclusive, já foi devidamente encerrada na seara criminal pela inexistência de quaisquer indícios de autoria ou de materialidade”, afirmou. Caso a nova lei seja aprovada, a suspensão deve resultar em arquivamento.
Procurado pela reportagem por meio de sua assessoria de imprensa, Arthur Lira não se pronunciou sobre o assunto. O espaço permanece aberto para os esclarecimentos do deputado.
De acordo com o coordenador legislativo Lucas Brandão, os casos de Lira estão em uma estatística apresentada por Alessandro Vieira em plenário durante a votação do projeto da nova Lei de Improbidade. Segundo o senador, que é delegado de polícia, se o projeto for aprovado como está hoje, quatro em cada dez processos serão arquivados por conta da nova redação sobre prescrição intercorrente. O dado, apresentado pelo senador, tem origem incerta – acredita-se que o número tenha sido apresentado ao Legislativo pelo Ministério Público.
O advogado Fernando Neisser considerou que, apesar de mais brandas que a sua versão anterior, a nova proposta de Lei de Improbidade Administrativa em gestação no Congresso Nacional pode sim trazer avanços à administração pública. Especializado no tema da improbidade, Neisser encampa o argumento de que a lei atual, com sua rigidez, causa o chamado “apagão das canetas”, termo usado para se referir ao receio de gestores públicos e servidores em função com poder de se responsabilizar por decisões que, no futuro, podem ser vistas como ilegais.
Em sua visão, a atual redação permite distorções. Ele cita algumas delas como exemplo: uma ação de improbidade aberta até 13 anos após o fato; o Ministério Público pode pedir multas em valor livre, de dezenas de vezes o valor do salário do acusado; o acusado precisa constituir uma defesa própria, que não pode ser da prefeitura ou do estado; e seus bens, se forem bloqueados pelo juiz, podem ficar assim por anos até o julgamento. Ao final, caso seja considerado inocente, o MP não precisa pagar os custos do processo
Também há uma notória diferença entre fatos ocorridos em cidades grandes e pequenas, observa o advogado. “Existe uma visão equivocada da magistratura de que, se uma cidade é pequena, o prefeito sabe de tudo e é responsável por tudo o que acontece”, pondera. Como juízes tem metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de casos a serem julgados, casos como estes acabam indo para o fundo da fila. “Ninguém pode viver com a espada em cima de sua cabeça indefinidamente”, conclui o advogado. “Se o Estado tem algo contra uma pessoa, ele tem de agir.”
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