Pedro Sales*
Finalizada nesta semana, a CPMI dos Atos Golpistas do Congresso Nacional terá o futuro de seus resultados agora focados para o Ministério Público Federal (MPF) e às expectativas geradas em torno de quem será o novo procurador-geral, indicado ao cargo pelo presidente Lula (PT).
Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco avaliam que a CPMI dos Atos Golpistas saiu fortalecida do Legislativo, e traçam expectativas de sequências das investigações no Ministério Público Federal (MPF). Após a aprovação do relatório, na última quarta-feira (18), o próximo passo da investigação é o encaminhamento do documento para a Procuradoria Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) e outros órgãos de fiscalização e controle.
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A previsão é de que a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora do colegiado, entregue o relatório para a PGR na próxima terça-feira (24). O órgão terá 30 dias para analisar os 61 indiciamentos propostos no parecer. A Procuradoria, no entanto, segue sem procurador-geral desde 26 de setembro, quando se encerrou o mandato de Augusto Aras. A função foi assumida provisoriamente pela subprocuradora geral Elizeta Ramos, no cargo há três semanas.
Ainda assim, a análise do parecer e dos pedidos de indiciamentos, nesse caso, ficará sob a responsabilidade do subprocurador Carlos Frederico Santos, que inclusive surge como um dos nomes mais cotados para a chefia do Ministério Público Federal. Os favoritos para assumir o comando da PGR são o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco e o ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) Antonio Carlos Bigonha. Nunca a escolha de um procurador-geral da República demorou tanto. O presidente Lula não tem demonstrado pressa em indicar o seu escolhido ao Senado.
Organização de provas
Para o professor de Direito Antônio Rodrigo Machado, a comissão parlamentar mista de inquérito cumpriu efetivamente o objetivo e abriu espaço para consequências concretas aos alvos de pedido de indiciamento.
“O relatório final de uma CPMI não tem resultado prático, mas a organização das provas sim. Serve para o Ministério Público organizar os fatos e realizar interposições e o ajuizamento de ações”.
Ele aponta, ainda, que a CPMI se destacou de forma ambivalente, pela quantidade de testemunhas ouvidas e também pela quantidade de testemunhas que não foram chamadas a depor.
“A condução da CPMI chamou bastante atenção em dois aspectos: a quantidade de pessoas ouvidas e a quantidade de pessoas importantes que não foram ouvidas. De uma forma positiva, a CPMI teve uma grande quantidade de testemunhas ouvidas, o que permitiu a construção de um relatório robusto. Ao mesmo tempo, não conseguiu ouvir pessoas fundamentais para a investigação, como o ex-presidente Jair Bolsonaro”, avalia.
No relatório de Eliziane Gama, o ex-presidente foi considerado o “mentor moral” dos atos de 8 de janeiro e acusado pelos seguintes crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa e violência política. Segundo Antônio Rodrigo, há possibilidade de uma eventual condenação de Bolsonaro.
“Pode ter, sim, resultados. Entendendo a PGR e o MPF que o presidente teve implicação penal nos atos, ele pode vir a responder a uma ação penal e também de improbidade administrativa, pois houve dano ao erário”.
Sem Aras
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, aponta que é provável que a CPMI dos Atos Golpistas tenha um fim diferente da CPI da Covid, devido ao cargo em aberto na PGR e à importância do processo. A comissão que investigou irregularidades durante a pandemia apresentou o relatório em outubro de 2021.
Mais de um ano depois, em novembro de 2022, a PGR pediu arquivamento da apuração da CPI contra o então presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de que havia “elementos mínimos” para uma ação penal. O ex-procurador-geral da República Augusto Aras foi acusado por adversários de ser leniente com o ex-presidente.
“Escrevi várias vezes sobre a CPI da Covid e a tendência de não ter um processo penal que fosse para frente, até porque o Ministério Público estava inerte. Com a força do governo Lula e com a futura nomeação do novo procurador, o MPF com certeza fará um trabalho técnico e minucioso. Todos sabem a importância do processo. O Ministério Público é o único dono da ação penal e acredito que alguns ali [indiciados] serão fatalmente denunciados”.
O advogado explica que o relatório pode ter implicações nos processos em tramitação dos réus. O policial militar do Distrito Federal Fábio Augusto Vieira, Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres são alguns dos alvos do relatório que responde a ações penais no STF pelos atos golpistas.
“Tudo que disser respeito a documentos, provas e crimes, ainda que o processo esteja em andamento, pode ser usado. Se ao longo do processo surgir coisas novas, podem ser incluídas no processo”.
Divergências
O deputado Rogério Correia (PT-MG) comemorou a aprovação do relatório, reforçando que a PGR e o STF terão amparo legal maior para impedir anistia aos envolvidos nos atos terroristas, inclusive os autores intelectuais. “Seu relatório, senadora Eliziane, está sendo atacado porque coloca exatamente o dedo na ferida, explicando o que é o núcleo duro [dos atos antidemocráticos]. Pela primeira vez, peixes grandes não serão anistiados no nosso país a partir de uma tentativa de golpe”.
Para o senador da oposição Esperidião Amin (PP-SC), a comissão foi sequestrada pelo governo, uma vez que foi de autoria do deputado André Fernandes (PL-CE) – ele próprio investigado por incitação aos atos. Ele lamentou ainda o não indiciamento do ex-ministro do Gabinete de Segurança Interna (GSI) Gonçalves Dias e do ministro da Justiça, Flávio Dino. “Essa omissão grotesca, continuada, perspicaz e, lamentavelmente, acolhida pelo relatório, anistiando o ex-chefe do GSI e o ministro da Justiça, Flávio Dino, que não cumpriu com seu dever, mesmo advertido a tempo, isso não vai ficar assim”.
*Estagiário sob coordenação da editora Iara Lemos.
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