A Operação Tempus Veritas, deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (8), atingiu em cheio a extrema direita ao localizar na cena do crime o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o seu entorno de militares e outras figuras importantes do seu governo, todos enredados na construção de uma trama golpista para tentar mantê-lo no poder e ignorar o resultado eleitoral de 2022.
Um dos alvos da operação, o ex-presidente teve de entregar seu passaporte e está proibido de deixar o país e de se comunicar com os demais investigados. Também estão envolvidos nas investigações ex-ministros importantes, como os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, apontados como artífices de manobras golpistas. Ao menos 16 militares estão sob a mira da PF.
As apurações da Polícia Federal indicam que Bolsonaro, diferentemente do que sempre sustentou, participou de reunião para discutir uma forma de não reconhecer a eleição de Lula e pediu mudanças na minuta do decreto que buscava efetuar um golpe de Estado. Segundo as investigações, o então presidente recebeu o texto das mãos de seu assessor especial Filipe Garcia Martins, preso nesta manhã, e do advogado Amauri Saad, apontado como autor da tese.
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Além de Filipe, outros três militares ligados diretamente ao ex-presidente tiveram a prisão preventiva decretada. As ações foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Após os ajustes de redação, Bolsonaro concordou com os novos termos e convocou uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para pressioná-los a aderir ao golpe, de acordo com a Polícia Federal. A versão original previa as prisões dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo, e do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Bolsonaro, de acordo com os investigadores, optou por manter a determinação apenas contra Alexandre, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Conforme as investigações, o comandante do Exército, Freire Gomes, não encampou a a aventura golpista. Em mensagem trocada com um militar da reserva, Braga Netto, que foi candidato a vice de Bolsonaro em 2022, chamou de “cagão” o colega general. “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do Gen. FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, escreveu.
PublicidadeSegundo a decisão de Moraes, os registros das conversas “evidenciaram a participação e adesão do investigado WALTER SOUZA BRAGA NETTO na tentativa de golpe de Estado, com forte atuação inclusive nas providências voltadas à incitação contra os membros das Forças Armadas que não estavam coadunadas aos intentos golpistas, por respeitarem a Constituição Federal”.
Além de Freire Gomes, o general Braga Netto também articulou ações para pressionar o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB). Braga Netto chamava o militar de “traidor da pátria”.
De acordo com as investigações, o núcleo do governo Bolsonaro atuou no “planejamento e execução de atos tendentes à subversão do Estado Democrático de Direito, por meio de um golpe Militar” para “impedir a posse do Presidente legitimamente eleito [Lula]”.
A cúpula do governo Bolsonaro ainda discutiu agir contra instituições antes das eleições, segundo a Polícia Federal. A sugestão teria partido do general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, teria dito Heleno em uma reunião do grupo em 5 de julho de 2022. “Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”, defendeu.
As falas foram recuperadas por meio de um vídeo no computador do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que fechou um acordo de delação premiada com a Justiça. Cid tinha um vídeo da reunião entre Bolsonaro e os investigados. A delação de Cid e as investigações sobre as milícias digitais, objeto de inquérito no Supremo, foram os pontos de partida para a Tempus Veritas.
Para embasar a operação desta quinta, a PF apontou a existência de seis núcleos envolvidos na trama golpista:
- 1. Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral
Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quarteis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o Golpe de Estado.
Integrantes: MAURO CESAR BARBOSA CID, ANDERSON TORRES, ANGELO MARTINS DENICOLI, FERNANDO CERIMEDO, EDER LINDSAY MAGALHÃES
BALBINO, HÉLIO FERREIRA LIMA, GUILHERME MARQUES ALMEIDA, SERGIO RICARDO CAVALIERE DE MEDEIROS e TÉRCIO ARNAUD TOMAZ.
- 2. Núcleo responsável por incitar militares à aderirem ao golpe de Estado
Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investigadas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a “audiência” militar.
Integrantes: WALTER SOUZA BRAGA NETTO, PAULO RENATO DE OLIVEIRA FIGUEIREDO FILHO, AILTON GONÇALVES MORAES BARROS, BERNARDO ROMÃO
CORREA NETO e MAURO CESAR BARBOSA CID.
- 3. Núcleo jurídico
Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado.
Integrantes: FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA, ANDERSON GUSTAVO TORRES, AMAURI FERES SAAD, JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA E SILVA e MAURO CESAR
BARBOSA CID.
- 4. Núcleo operacional de apoio às ações golpistas
Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.
Integrantes: SERGIO RICARDO CAVALIERE DE MEDEIROS, BERNARDO ROMÃO CORREA NETO, HÉLIO FERREIRA LIMA, RAFAEL MARTINS DE OLIVEIRA, ALEX
DE ARAÚJO RODRIGUES e CLEVERSON NEY MAGALHÃES.
- 5. Núcleo de inteligência paralela
Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente da República JAIR BOLSONARO na consumação do Golpe de
Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal ALEXANDRE DE MORAES e de possíveis outras autoridades
da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de Golpe de Estado.
Integrantes: AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA, MARCELO COSTA CAMARA e MAURO CESAR BARBOSA
CID.
- 6. Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos
Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e
medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.
Integrantes: WALTER SOUZA BRAGA NETTO, ALMIR GARNIER SANTOS, MARIO FERNANDES, ESTEVAM THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, LAÉRCIO VERGÍLIO e PAULO SÉRGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA