Presidente do Tribunal Superior Eleitoral entre 2001 e 2003, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim rebateu nesta terça-feira (10) as críticas do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação. Para ele, o voto eletrônico é inviolável e sua contestação é discurso de candidato derrotado.
“O presidente Bolsonaro está levantando essa bobagem agora sobre urna eletrônica. Uma desconfiança do eleitor. Eu fui presidente do TSE e vi que é impossível você fazer uma fraude na urna eletrônica. Todo derrotado em eleição acaba alegando que perdeu a eleição porque houve fraude. Só ver o exemplo da Keiko [Fujimori] no Peru. Na Colômbia, a mesma coisa, na Argentina, idem. Todo sujeito que perde a eleição não quer averbar sobre si que o povo não o quis. Quer averbar sobre si que foi furtado”, afirmou o ex-ministro durante seminário promovido pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).
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Em sua participação, Nelson Jobim fez uma revisão histórica do sistema eleitoral brasileiro, ressaltando como o voto em papel foi objeto de fraude no país e favoreceu o chamado voto de cabresto. Ex-ministro da Justiça, no governo Fernando Henrique Cardoso, e da Defesa, nos governos Lula e Dilma Rousseff, e ex-deputado, ele destacou a importância de se entender que a democracia é a administração do dissenso, algo imprescindível para a política.
Ódio
“O problema hoje que nós vivemos é que se introduziu dentro do sistema político a variável nova, que é o ódio”, aponta Jobim. Hoje, observa o ex-ministro, não há mais a figura do adversário político. “Você tem inimigos políticos. AÍ você não tem mais diálogos. Você não tem mais acordo, entendimentos, que é a característica típica da política. São necessários na política certos artifícios para fazer a maioria e não se pode impor sua vontade aos outros”, disse Jobim na última mesa do segundo dia no seminário “As instituições jurídicas e a defesa da democracia”, aberto nessa segunda-feira (9).
O evento, que será realizado até a próxima sexta-feira (13), conta com palestras de advogados públicos e privados, juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos e juristas. Ao longo do dia, foram feitas outras cinco exposições.
Consequências políticas
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Eduardo André, destacou como os magistrados também têm pensado nas consequências políticas de suas decisões. O juiz ministrou palestra sobre “Ações Judiciais e medidas de isolamento na pandemia”.
Para Eduardo André, o país se encontrava claramente despreparado para uma pandemia do porte da covid-19. Isso, segundo o juiz, levou a um desconhecimento de tratamentos eficazes e de formas para evitar a propagação do vírus.
É nesse sentido que Eduardo apontou que não era possível criar uma visão binária da questão, ao menos no início da crise sanitária. “Quem estava preocupado com economia estava coberto de razão, assim como quem estava com saúde. Não houve má-fé”, afirmou.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), decidindo em abril de 2020, que havia competência concorrente entre a União e estados e municípios na gestão da pandemia. A OAB alegou à época que Bolsonaro estava agindo em descompasso com as diretrizes recomendadas pelas autoridades sanitárias do mundo todo, inclusive do Ministério da Saúde.
Para Eduardo, a decisão do STF não impediu a União de ajudar na coordenação da crise, dado inclusive pelo tamanho continental do país. “Não há como a União cuidar de tudo.” Contextualizando o trabalho específico dos magistrados, ele apontou os principais pontos das decisões tomadas por juízes federais durante a pandemia do novo coronavírus, como ocorreu em Búzios no fim do ano passado sob intensa polêmica.
A vacinação também foi alvo de decisões judiciais visando aperfeiçoar o processo, com mandados que definiam desde intervalo das doses e aquisições dos imunizantes por particulares e associações sem aceitar exigências previstas.
“Nesse sentido, para além da independência, é importante que o juiz tenha uma preocupação grande com a autocontenção, já que ele e a decisão dele podem ser usados nessa briga polarizada de autoridades, briga de políticos”, apontou Eduardo, propondo que a classe avalie não apenas o impacto econômico do direito, mas também o político. “O Judiciário precisa ver o que sua decisão pode gerar de insegurança pra sociedade”, ressaltou.
Fake news na pandemia
Dentre as possíveis inseguranças trazidas por decisões judiciais relacionadas à pandemia, as fake news se mostraram dentre as mais impactantes. Para debater esse assunto, a mesa “Criminalização da Disseminação de Fake News em Saúde / Medicina Baseada em evidências” trouxe a juíza federal Cláudia Maria Dadico e o advogado da União Ricardo Wey para discutir o assunto.
“Dentro da epidemia nasceu outra: a infodemia, que acompanha essa”, introduziu Cláudia, explicando que a desinformação é, tal qual o conhecimento, uma construção. Utilizando-se de leituras do antropólogo Richard Parker, a juíza pontuou que a ignorância também é um projeto global.
No Brasil, segundo ela, o debate acerca da desinformação está avançado principalmente no âmbito da Justiça eleitoral, que vem há meses sofrendo com ataques do Executivo federal.
“[Luis Roberto] Barroso, em um voto proferido, fala o que fake news não são para chegar ao que são: Não são juízo de valor, equívocos honestos, sátiras e parodias”, disse Cláudia, apontando que fake news são conteúdos manifestamente falsos, feitos com objetivo de criar danos a terceiros ou para lucro. Mas ela admite que a definição é complexa. “É preciso ter cuidado para não asfixiar a liberdade de expressão”, ponderou.
Ricardo afirmou que as pessoas erram bastante quando usam apenas da intuição para discutir medicamentos usados para tratar da covid-19, por exemplo. “Muitos não sabem diferenciar hipótese de prova e acham que viés é um ‘ponto de vista’”, observou.
A discussão jurídica, portanto, é bastante delicada, uma vez que há um hiato muito grande entre o crime hediondo do crime de epidemia (artigo 267) e outros delitos relacionados a saúde pública, explicou Cláudia Dadico. “O crime de epidemia pode dar pena de reclusão de dez a 15 anos. Ele é tratado com muita severidade”, avalia a magistrada federal, indicando que há projetos que buscam editar ou modificar o tratamento da relação de fake news e saúde.
“É preciso cautela para não favorecer a indevida expansão do direito penal, aplicação seletiva dos instrumentos punitivos e encarceramento massivo”, advertiu.
O seminário também contou com a exposição do defensor público André Carneiro Leão, que falou sobre “Defensoria Pública como expressão e instrumento do Regime Democrático”. Já a defensora pública Silma Dias Ribeiro de Lavigne discorreu sobre o “Acesso à Saúde e Crise Sanitária”. Já o procurador Márcio Commarosano tratou do tema “O Cliente da Advocacia Pública no Regime Republicano: Orientação Jurídico-Democrática de Autoridades”.
Veja a íntegra da exposição deles:
O evento é organizado pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), que representa as quatro carreiras que compõem a AGU: procuradores da Fazenda Nacional, advogados da União, Procuradoria-Geral Federal e procuradores do Banco Central. O seminário é promovido em parceria com a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR); a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape); a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM); a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Você poderá acompanhar a transmissão do seminário até a próxima sexta-feira pelo Congresso em Foco ou pelo canal da TV Anafe no Youtube. A participação no evento é gratuita. Participantes receberão certificado de presença ao final do seminário.
Seminário da Anafe reafirma compromisso democrático da advocacia pública
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