Desde a redemocratização, dois dos sete presidentes brasileiros eleitos sofreram impeachment – mas nenhum dos governadores, eleitos em 26 estados e no distrito federal, em nove ciclos eleitorais diferentes, foi retirado do cargo. Na avaliação de cientistas políticos, o caso do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o seu processo de impeachment na Assembleia Legislativa do estado (Alerj), podem contrariar esta tese.
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Para especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco, o afastamento do governador do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) inviabiliza que ele retorne ao cargo com poder político para concluir sua gestão. Na visão de três cientistas políticos, o processo de afastamento levado pelo Legislativo é apenas uma peça num tabuleiro de interesses, mas não restam dúvidas de que Witzel encaminha-se para ser o primeiro governador afastado na história da república.
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O ex-juiz federal, eleito com 4,6 milhões de votos em 2018, foi afastado do cargo na última sexta-feira (28), por uma decisão do ministro do STJ Benedito Gonçalves. O magistrado acolheu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que o governador seria parte de um esquema criminoso para fraudar contratos na área da saúde. A decisão gerou preocupações entre juristas e os próprios ministros do STJ por ter sido tomada de maneira individual, mas a condenação foi mantida na Corte Especial, por 14 votos a um.
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Para o professor de ciência política da Unirio, José Paulo Martins, o caso de Witzel pode se tornar emblemático porque rompe a lógica de controle amplo dos governadores nas máquinas estaduais – este seria um dos segredos para cenários políticos mais estáveis em estados do que em âmbito nacional.
“É muito mais fácil formar maioria nas assembleias legislativas, onde há bancadas menores, e se há maior controle sobre a máquina pública”, explicou o professor. Como exemplo desta tese, o professor lembra a estabilidade do PSDB no estado de São Paulo – desde a eleição de Mário Covas em 1994, o partido não perde eleições para governador no mais populoso estado do país.
A falta de diálogo sólido com o poder legislativo ficou claro já durante a abertura do processo de impeachment pela Alerj, em junho: foram 69 votos a favor, nenhum contra. Apesar de o processo ter sido alterado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, em julho, os deputados continuam analisando a questão.
Para o cientista político André Pereira César, a perda de capital político de Witzel é apenas um entre vários fatores que contribuíram com sua derrocada. André aponta que o caso do governador pode ser visto de acordo com suas relações com o governo Bolsonaro: a degradação das relações dos dois, que se elegeram numa base conjunta mas se antagonizam desde 2019, mostram uma tentativa de neutralizar o governador como um concorrente à reeleição do atual presidente em 2022.
A disputa pela vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano, com a saída de Celso de Mello, poderia ser vista como uma oportunidade de ações contra desafetos do presidente, explicou André.
Para Felipe Borba, que também é professor da Unirio, são quatro fatores que motivam o impeachment de presidentes na América Latina: queda de popularidade, escândalos de corrupção, má articulação com legislativo, e crise econômica. “Trazendo da escala nacional para a estadual, foi exatamente o que aconteceu com o Witzel”, explicou.
Witzel foi eleito na plataforma de “nova política”, que junto com Bolsonaro trouxe um série de governadores sem experiência política em 2018. O problema ocorrido no Rio de Janeiro é que, no lugar da nova política, nada foi posto em seu lugar, definiu Borba. “Ele na verdade não controla mais a política. É um novato sem partido, sem interlocução com outras instituições”, disse.
Para José Paulo Martins, o destino do governador fluminense pode servir como sinal amarelo para outros governantes que se elegeram na esteira bolsonarista, com um discurso contra o sistema – apenas em 2020, e por conta de denúncias relativas à pandemia, Wilson Lima, no Amazonas, e Carlos Moisés, em Santa Catarina, já enfrentaram processos de impeachment . O caso do Amazonas foi arquivado em agosto, e Moisés protocolou sua defesa na Assembleia Estadual nesta quarta-feira (2).
Borba acredita que ser improvável que o caso do Rio de Janeiro seja revertido – e Wilson Witzel retorne ao Palácio Laranjeiras. “Ao não ser mais governador, o que ele tem a oferecer?”, questionou o professor, se referindo às negociações que ocorrem entre as esferas de poder. “Ele não tem mais capacidade de negociação. Ele perdeu o apoio da presidência da República; o Judiciario já mostrou evidências muito fortes de corrupção; e muito difícil que o Legislativo se contraponha a isso. Witzel está contando os dias para deixar de ser oficialmente governador.”
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