Diante da divergência entre a Diretoria-Geral da Polícia Federal (PF) e parte dos servidores a respeito dos termos da proposta de lei orgânica para a corporação, entidades de representação da classe já planejam a articulação para impedir a aprovação do texto. A estratégia envolverá atuação tanto no Executivo quanto no Legislativo para derrubar o projeto.
A discussão sobre a elaboração da Lei Orgânica da Polícia Federal apresentada pelo diretor-geral, Andrei Augusto Passos Rodrigues, é um ponto de atrito entre a cúpula da corporação e as principais entidades de representação dos servidores: apenas um sindicato apoiou a proposta, o Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal (Sinpecpf). Mesmo ele, no entanto, alegou possuir ressalvas em seu parecer.
A entidade sindical mais ampla de servidores da PF, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), com aval de todos os sindicatos estaduais, emitiu posição contrária à apresentação da proposta ao governo. Além de diversas divergências de mérito, o presidente da Fenapef, Marcus Firme, explica que a federação considera problemática a forma como o texto foi entregue aos policiais.
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“Ao nosso entender, o projeto não foi feito de uma forma democrática, sem ter sido discutido amplamente com a categoria. A gente costuma falar que foi um pseudodebate: onde você apresenta as suas sugestões, eles aceitam ou não, e devolvem para fazer o aceite e mandar para o governo”, relatou.
Marcus Firme antecipa que a Fenapef se organiza para tentar barrar o projeto dentro do Executivo. “Vamos fazer gestões junto ao Ministério da Justiça, ao Ministério da Gestão e Inovação e até a Casa Civil para que, se o diretor-geral insistir em encaminhar a minuta como se encontra, a gente possa discutir no âmbito governamental”.
Caso a articulação no governo não seja suficiente, a federação também prepara o terreno para a discussão no Legislativo. “A gente já colocou nossa diretoria parlamentar e também nossa assessoria parlamentar para ficar de standby, já conversando isso no Congresso Nacional, falando da nossa contrariedade à forma como essa questão está sendo encaminhada”.
Outra entidade que também se prepara para entrar no debate no Congresso Nacional é a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), que compartilha do repúdio ao projeto. “Já informamos a Direção-Geral que nós não pactuamos com essa proposta. O diretor tem até autonomia para encaminhar se ele quiser, mas não vai ter um referendo nosso”, disse o presidente da APCF, Willy Hauffe.
Hauffe ressalta que os servidores da PF já contam com parlamentares de diversos espectros políticos simpáticos às suas demandas. Ele acredita que essa base de apoio é capaz de barrar um projeto que seja apresentado sem o apoio da categoria. “Felizmente, nosso país é uma democracia. Se chegar um projeto desses na Câmara, temos contato suficiente para não deixar esse tipo de proposição passar. Qualquer presidente de comissão sabe que, sem consenso, qualquer projeto dificilmente passa”, ponderou.
Proposta questionada
A versão apresentada à categoria é criticada pelos principais sindicatos, que enxergam o texto como um desrespeito à carreira e um instrumento de concentração de poder na cúpula da corporação. A versão apresentada por Andrei Rodrigues foi alvo de críticas logo em seu primeiro artigo, que inclui os valores de “hierarquia e disciplina”, os mesmos adotados por forças militares, como fundamentadores da corporação. “Os termos “hierarquia e disciplina”, como colocados em uma estrutura policial de natureza civil remete ao militarismo, cuja formação e ordenamento são diferentes dos órgãos civis”, ressaltou a Fenapef em seu parecer. A federação também relembrou que a própria Constituição classifica a Polícia Federal como uma organização de natureza civil.
O projeto também institui a modalidade de promoção “por merecimento”, vista com preocupação pela federação sindical. “A utilização da modalidade de promoção por merecimento implica numa afronta aos princípios da impessoalidade e moralidade previstos no art. 37 da CF, na medida em que se utiliza de critério subjetivo para promover servidor público, de modo a possibilitar a adoção de atos administrativos passíveis de preferências indevidas”, afirmaram ao propor a supressão desse mecanismo.
O diretor-geral ainda propôs que seu cargo seja definido por mandato de três anos, e não mais por indicação discricionária do presidente da república, na prática blindando sua função durante o exercício do termo. A Fenapef considera essa mudança como violadora do “poder soberano e discricionário do chefe do Poder Executivo para escolher livremente os ocupantes das funções de chefia”.
Além desses pontos, os servidores avaliam que a proposta desvaloriza diversos cargos de carreira em detrimento dos delegados. O texto ainda proíbe servidores da Polícia Federal de exercerem atividades partidárias e os torna inelegíveis por até seis meses após a exoneração.
A aprovação por parte de sindicatos e associações não é um requisito legal para a tramitação do projeto. Seu trâmite passa pela aprovação dos ministérios da Justiça, Gestão e Inovação, Casa Civil e, por fim, pelo Congresso Nacional. Sem apoio da categoria, porém, o projeto fica politicamente enfraquecido, reduzindo suas chances de apoio por parte do próprio Executivo ou, posteriormente, de parlamentares.
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