O gesto do presidente Jair Bolsonaro de interagir durante pouco mais de 1h com apoiadores, em frente ao Palácio do Planalto neste domingo (15), trocando cumprimentos e compartilhando celulares, foi muito mais do que um ato de desobediência às orientações médicas que ele deveria seguir e ao decreto do governo do Distrito Federal que proíbe aglomerações de pessoas.
Ao posar para fotos em que aparecia em primeiro plano a faixa “Fora Maia”, num ato no qual manifestantes pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF, vai atrapalhar ainda mais as já deterioradas relações entre o Executivo e os outros dois poderes. No mais ameno dos comentários entre os parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco, o comportamento do presidente foi classificado como irresponsável.
Há quem interprete que Bolsonaro decidiu ir às ruas, multiplicando para si e para terceiros os riscos sanitários representados pela pandemia de Covid-19, por perceber que sua força está em declínio. Atestam isso indicadores de monitoramento das mídias sociais e até mesmo o número de manifestantes.
Afronta às instituições
Embora o presidente tenha chegado algumas vezes a dar declarações sobre a inconveniência dos atos deste domingo, nos meios políticos não há dúvidas de que ele foi o seu principal mentor e incentivador. Sua estratégia era dar uma imensa demonstração de prestígio, de modo a pôr os outros dois poderes aos seus pés. Não foi o que aconteceu, embora o novo coronavírus tenha sido uma pedra no caminho.
Mas o fato é que a insistência em afrontar as instituições, como voltou a fazer hoje Jair Bolsonaro, leva vários parlamentares a prever uma reação forte do Judiciário e do Legislativo, num momento em que a Covid-19 já seria problema demais para se preocupar. “Sinceramente não sei ainda qual vai ser, mas alguma resposta mais dura precisa ser dada ao presidente”, defendeu um deputado próximo a Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Fazendo pelo Twitter e pelo Facebook a “cobertura” dos atos que há dois dias desautorizara, Bolsonaro compartilhou foto destacando o cartaz “Fora, Maia”. Depois, em frente ao Planalto, fez selfie em que se via mensagem semelhante.
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Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sinalizaram neste domingo, em entrevista à estreante CNBB Brasil, desconforto com os atos e o comportamento de Bolsonaro.
“Convidar para ato contra poderes é confrontar a democracia”, disse Davi. “Eles continuam ainda processando como se estivéssemos em um processo eleitoral. A eleição acabou. Não são só os brasileiros que votaram no candidato A ou no candidato B que estão aguardando respostas, são todos os brasileiros que esperam do governo e do Parlamento as respostas que são urgentes para a sociedade”, destacou o senador. Para Rodrigo Maia, a relação entre o Legislativo e o Executivo federais é prejudicada por apoiadores radicais do presidente, que usam as redes sociais para “contaminar o ambiente”.
Agenda econômica
O momento para os ataques ao Parlamento não poderia ser pior: provavelmente amanhã o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciará medidas de incentivo para tentar conter os danos econômicos causados pelo novo coronavírus, em resposta a cobranças feitas pelo próprio Congresso e pelo mercado financeiro. Várias dessas iniciativas, certamente, precisarão do aval dos parlamentares.
Para os congressistas, Bolsonaro não está interessado em aprovar uma agenda econômica. Seu interesse real, suspeita-se, é a ruptura democrática.
“As manifestações hoje demonstram que o presidente está cada vez mais encurralado num pequeno gueto de radicais extremistas. O que havia de bom senso no entorno do presidente já perdeu as esperanças. Penso que ele passou dos limites. Um presidente não pode solidarizar-se com uma manifestação que carrega faixas pelo fechamento do Congresso e do STF. Se estivesse preocupado com a agenda econômica, Bolsonaro estaria procurando unir o povo em torno dela e não dividindo o povo em torno de pautas antidemocráticas e secundárias”, disse ao Congresso em Foco o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
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O presidente do Supremo, Dias Toffoli, limitou-se, por meio de sua assessoria, a repetir a mensagem que já divulgara em fevereiro, após a notícia de que Bolsonaro havia compartilhado pelo Whatsapp vídeo convocando pessoas para os protestos contra o STF e o Congresso.
“Não existe democracia sem um Parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto. O Brasil não pode conviver com um clima de disputa permanente. É preciso paz para construir o futuro. A convivência harmônica entre todos é o que constrói uma grande nação”, repetiu o ministro.
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Irresponsabilidade
Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o país pagará o preço pelo desprezo de Bolsonaro pela saúde das pessoas e pela democracia. “Qualquer chefe de Estado minimamente sério está tomando medidas duras para conter o avanço do novo coronavírus. Mas o presidente do Brasil, irresponsável, está no Twitter comemorando as aglomerações formadas através do seu chamado contra o Congresso e o STF. O nosso país pagará caro!”, disse Randolfe.
Para o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), Bolsonaro mostra que prefere ser líder de facção do que presidente da República. “Nem a comoção provocada pelo avanço do coronavírus é capaz de regenerá-lo. Lamentável termos um sujeito como esse na Presidência num momento tão grave para o Brasil. Irresponsável”, criticou.
Uma das líderes do ato deste domingo em Brasília, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) disse que o movimento é espontâneo e que não há, mesmo em período de coronavírus, como impedir que a população saia às ruas para defender o presidente. “O povo não precisa de comando para vir para a rua”, afirmou. Segundo ela, não há por trás do movimento a intenção de atacar as instituições. “Mas não aceita parlamentarismo branco”, emendou.
Agenda pessoal
O presidente não tinha agenda oficial para este domingo e estava em isolamento na residência oficial depois de ter recebido, na sexta-feira (13), resultado negativo para Covid-19. Questionada, a assessoria da Presidência da República disse que a participação do presidente no ato tratava-se de “agenda pessoal”.
Do Palácio do Planalto, o perfil oficial do presidente em uma rede social transmitiu ao vivo a interação dele com apoiadores, que durou pouco mais de uma hora.
“Vim dar uma olhada nesse movimento patriótico”, justificou Bolsonaro frente a uma aglomeração de pessoas que se reuniu na Praça dos Três Poderes. “Manifestação não é minha, é espontânea do povo”, disse ele. “Quero ter o prazer de um dia estar com todos os chefes de Poderes juntos e o povo aplaudindo a gente. É só isso que eu quero. Não tem preço o que esse povo tá fazendo aqui no dia de hoje”, completou.
Usando colete à prova de balas por baixo de uma camisa branca da seleção brasileira, Bolsonaro desceu a rampa do Planalto em direção à aglomeração. Apoiadores de verde e amarelo carregavam faixas e bandeiras e gritavam palavras de ordem como “mito”, “nossa bandeira jamais será vermelha” e “eu vim de graça”. Em dado momento, um grupo entoou um “Fora, Maia”, em referência ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Foda-se”
As manifestações foram chamadas inicialmente de “dia do foda-se”. Apoiadores do presidente passaram a convocar um ato do dia 15 de março em defesa do presidente após as declarações do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) de que o Congresso estaria chantageado o Planalto.
Em uma conversa com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Governo), a respeito do orçamento impositivo, Heleno disse: “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”. O áudio vazou em live gravada e divulgada pela equipe do próprio presidente durante cerimônia de hasteamento da bandeira, em frente ao Palácio da Alvorada.
Desde então, o tom de convocação da manifestação passou a ser de fortes críticas ao parlamento, com ataques pessoais a Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre e ofensivas institucionais contra a Câmara e o Senado. Em linhas gerais, as convocações do ato defendem que o parlamento tem agido contra as tentativas do Planalto de implementar projetos benéficos ao país.
Também em entrevista à CNN Brasil neste domingo, Guedes tentou pôr panos quentes. “Eu acho que o general se expressou com infelicidade sobre um tema onde, do ponto de vista do conteúdo, ele tinha o seu ângulo defensável”, disse o ministro.
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