Está de volta o debate e também o proselitismo pelo semipresidencialismo – ou o que podemos chamar de parlamentarismo envergonhado.
Historicamente o parlamentarismo foi implantado no Brasil republicano em 1961 para simplesmente limitar os poderes do presidente constitucional João Goulart, o Jango, depois da tentativa de golpe para impedir sua posse quando da renúncia de Jânio Quadros. O golpe e a junta militar foram derrotados pela resistência que o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, organizou armando populares, tendo o apoio da Brigada Militar e de setores do então III Exército com sede em Porto Alegre. Uma rede de rádios da legalidade foi criada e mobilizou amplos setores populares e sindicais por todo o país. Acabaram derrotados na prática – como haviam sido em 1955 ao tentar dar um golpe para impedir e posse de Juscelino Kubitschek. Naquele ano, diante do apoio à legalidade que deu o general Henrique Lott, os militares pressionaram para tirar os poderes de Jango e conseguiram um ato adicional que implantou o parlamentarismo, sistema que durou até 1963, quando um plebiscito o revogou.
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Agora o pretexto é o chamado choque de poderes ou as crises que surgem nas relações entre o Executivo e o Legislativo.
Aparentemente o semipresidencialismo surge com uma solução política, tendo como exemplo o modelo português ou o francês. Como se sabe, são duas as funções do presidente da República: chefe de Governo e chefe de Estado. O semipresidencialismo e o parlamentarismo põem fim a uma dessas funções (chefe de Governo), transferindo-a para o Parlamento, por indicação do presidente (semipresidencialismo) ou do partido ou coalizão majoritária (parlamentarismo). Com isso, o governo passa a ser função do primeiro-ministro e do ministério organizado por ele e seu partido ou coalizão. No caso do semipresidencialismo, diferentemente do parlamentarismo, o presidente mantém poder de demitir o primeiro-ministro, e em muitos casos detém o controle da política externa e da Defesa.
Mas qual é de fato a principal característica do presidencialismo para além da chefia de Governo e do Estado? Nele o presidente é eleito pelo voto direto, que o legitima para permanecer no cargo pelo período constitucional – no nosso caso, quatro anos. É a soberania popular em eleição nacional que legitima o poder do presidente. Eis a questão de fundo no ressurgimento do semipresidencialismo agora no Brasil: retirar do voto direto, secreto e universal a escolha do chefe do Governo e o transferir para o Parlamento.
Ocorre que, depois das constituições de 1946 e de 1988, nenhum partido obteve maioria no Parlamento, com exceção do PMDB em 1986 na eleição para a Constituinte, quando elegeu 23 governadores, a maioria dentre os 49 senadores e 487 deputados (e ainda elegeu a maioria dos 953 deputados estaduais). Assim, a principal razão para defender o semipresidencialismo – o fim das crises entre o Legislativo e o Executivo – seria apenas transferida para dentro do Parlamento.
A verdadeira razão e o objetivo do semipresidencialismo é retirar da soberania popular o poder de governar, já que o presidente é eleito diretamente. No caso concreto do Brasil, nem Getulio Vargas (1950), JK (1955), Jânio e Jango (1960), Fernando Collor de Mello (1989), Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998), Luiz Inácio Lula da Silva (2002, 2006 e 2022) e Dilma Rousseff (2010 e 2014) teriam sido eleitos presidentes e governariam o Brasil – nem e o PT e seus aliados seriam governo, já que não fizeram maioria na Câmara e no Senado em nenhuma das eleições. Em síntese, o PT jamais teria governado o Brasil.
Precisamos considerar que o partido e seus aliados não perderam nenhuma eleição após 2002, já que em 2018 Lula estava impedido injustamente de participar e fazer campanha. Não fosse essa injustiça de 2018 teríamos governado o país por 20 anos. Essa conquista se deve ao voto popular, à soberania de eleitores que, no fim das contas, o semipresidencialismo ou o parlamentarismo acabam restringindo.
Essa é a questão de fundo, já que boa parte das crises surgiu porque a maioria do Parlamento era conservadora e de direita ou centro direita, enquanto os presidentes eram em sua maioria de esquerda ou centro esquerda. No semipresidencialismo ou parlamentarismo, ao contrário, todos os governos teriam sido conservadores ou de centro direita.
No debate sobre esse tema também não se fala que sistema de governo teríamos nos estados e municípios, e muito menos na necessária e urgente reforma político-eleitoral, já que nossa representação parlamentar na Câmara dos Deputados não é proporcional ao número de habitantes e/ou eleitores por Estado. Caso único no mundo, escolhemos um mínimo de 8 e um máximo de 70 parlamentares. Sem falar no sistema de voto uninominal que escamoteia a vontade das urnas, ao não adotar a lista partidária ou o sistema misto proporcional.
A disputa política em torno do Orçamento Geral da União, via emendas parlamentares impositivas, é parte da disputa política sobre os rumos do governo, já que, como afirmarmos, a maioria do Parlamento é conservadora ou de direita. Querer resolver uma questão política mudando o sistema de governo não passa de uma manobra para retirar do povo sua soberania para eleger o presidente da República, evitando assim governos presididos por programas e metas que contrariam a maioria conservadora do Parlamento.
Já vimos como esse tipo de história termina.
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